Mas, se o concreto é a grande síntese da capital planejada por Niemeyer, seria o mangue ainda o principal catalisador da cena cultural pernambucana? Teria o Magiluth alguma identificação com o Manguebeat? “As primeiras imagens feitas por nós têm, sim, a ver com o movimento”, diz Vilela. “Lemos os manifestos, e achamos que o Manguebeat é algo grande que não se concretizou, principalmente quando alguns de seus mentores chegaram às esferas de poder”, observa.
Para Vilela, o grupo não faz coro ao discurso do Manguebeat, mas tem interesse pela discussão social levantada pelos manifestos sobre a cidade. “Buscamos dialogar com os diversos contrastes da cidade, olhá-la de uma forma diferenciada. Numa das imagens que enviamos para Brasília, esse contraste fica muito evidente. Nela, vê-se um barco e uma placa de proibido estacionar dentro do rio. É isso que tentamos capturar. Deslocamo-nos diariamente pelo Recife observando as mudanças na paisagem”, explica o ator.
Se a relação da geração pós-mangue do Recife com o Magiluth é apaixonada, revelando o poder de comunicação dos espetáculos do grupo com espectadores ávidos por uma linguagem mais pop no palco, a trupe agora dá um passo arriscado em sua curta história, montando o espetáculo Gregório, a partir do texto original O canto de Gregório, de Paulo Santoro, anteriormente encenado no Brasil por ninguém menos que Antunes Filho.
A peça é um monólogo da personagem-título sobre as questões da ética e da bondade. Gregório se encontra, em sua mente, com mitos da religião e da filosofia, como Jesus Cristo e Sócrates, para discutir os limites e paradoxos do bem no mundo, enquanto se prepara para ser julgado por um gesto que põe em xeque sua própria bondade.
TEATRO DA PALAVRA
“Enquanto Um torto, nosso espetáculo anterior, apelava para a emoção, Gregório apela para a razão. É um teatro da palavra, o que não é nossa marca, mas não mexemos no texto e, sim, na forma. Trabalhamos com quatro atores, desconstruindo o monólogo, e utilizamos o humor, o nonsense, para representar as figuras que vão aparecendo na mente da personagem”, afirma Vilela, que dirige pela primeira vez o coletivo. Ao longo de nove meses, o grupo dedicou-se à construção do trabalho, sem abandonar a horizontalidade que caracteriza sua pesquisa, num processo colaborativo.
Num espaço branco e neutro como a mente de Gregório, sem recursos cenográficos, com uma trilha sonora que traduz o fluxo de pensamento da personagem, e com os atores vivendo tipos tão complexos como Buda, o Magiluth aposta desta vez num teatro mais reflexivo. “Queremos tirar nosso público do lugar de conforto, porque temos que alimentar nosso desejo como artistas e não cair em armadilhas”, pondera o diretor.
Realizado com recursos próprios, Gregório já enfrenta uma primeira dificuldade ao nascer: a falta de pauta nos teatros. Com estreia prevista para abril, o grupo ainda não sabe onde exibirá seu novo rebento. “Há a possibilidade de levarmos o espetáculo para a rua”, arrisca Vilela. Lugar mais indicado para debater as questões da ética e da cidade no mundo contemporâneo certamente não haverá.
RODRIGO DOURADO, jornalista, mestre e doutorando em Comunicação Social.