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Magiluth: Entre trocas e novas encenações

Companhia formada por quatro atores realiza intercâmbio com grupo brasiliense e prepara-se para encenar novo espetáculo, a peça 'Gregório'

TEXTO Rodrigo Dourado

01 de Abril de 2011

Os quatro atores que fundaram o grupo contracenam no espetáculo 'Ato', cujo roteiro foi influenciado pela peça 'Ato sem palavras 1', de Samuel Beckett

Os quatro atores que fundaram o grupo contracenam no espetáculo 'Ato', cujo roteiro foi influenciado pela peça 'Ato sem palavras 1', de Samuel Beckett

Foto Val Lima/Divulgação

Marcelo, Giordano, Lucas e Thiago. Da união desses quatro atores e das iniciais de seus nomes nasceu o Magiluth, grupo formado por alunos do Curso de Artes Cênicas da UFPE em 2004, que experimentou uma vertiginosa trajetória dos corredores da universidade para o mercado profissional do teatro. Com três montagens no currículo – CorraAto e Um torto –, participações em vários festivais pelo país e diversos prêmios na bagagem, a trupe estreia em 2011 sua nova montagem, Gregório, e trabalha num intercâmbio com o Grupo Teatro do Concreto, de Brasília, tendo como tema central a cidade.

O intercâmbio foi contemplado pela primeira edição do Rumos Itaú Cultural Teatro e o contato com o grupo brasiliense aconteceu graças às andanças pelo Brasil e à preocupação permanente do Magiluth em se articular com diversas redes que congregam grupos de teatro pelo país. Como o título Do concreto ao mangue, aquilo que meu olhar guardou para você, duas ações estão contempladas no intercâmbio, uma chamada Janela de Gestão, na qual os coletivos trocam informações sobre o gerenciamento e a manutenção das atividades; e uma segunda, chamada Janela de Criação, em que as trupes se provocam mutuamente através de fotografias, tendo a cidade como paisagem.

Mensalmente, os grupos trocarão três imagens do tecido urbano capturadas por seus integrantes. Cada coletivo realizará improvisações e exercícios a partir das imagens recebidas, produzindo assim dramaturgias e pequenas cenas. Os “laboratórios” de criação estão sendo registrados num blog, criado exclusivamente para o intercâmbio. O Magiluth fará ainda, na primeira terça-feira de cada mês, demonstrações desse processo – as primeiras já aconteceram no Teatro Joaquim Cardozo, da UFPE – visando dialogar com o público local sobre a pesquisa em curso.

O objetivo dessa investigação, no entanto, não é construir um espetáculo, afirma Pedro Vilela, integrante do Magiluth, mas sedimentar e enriquecer a formação de cada coletivo envolvido. Em agosto, Concreto e Magiluth se encontrarão em São Paulo para a criação de duas microcenas.

DIÁLOGO CRÍTICO
Mas, se o concreto é a grande síntese da capital planejada por Niemeyer, seria o mangue ainda o principal catalisador da cena cultural pernambucana? Teria o Magiluth alguma identificação com o Manguebeat? “As primeiras imagens feitas por nós têm, sim, a ver com o movimento”, diz Vilela. “Lemos os manifestos, e achamos que o Manguebeat é algo grande que não se concretizou, principalmente quando alguns de seus mentores chegaram às esferas de poder”, observa.

Para Vilela, o grupo não faz coro ao discurso do Manguebeat, mas tem interesse pela discussão social levantada pelos manifestos sobre a cidade. “Buscamos dialogar com os diversos contrastes da cidade, olhá-la de uma forma diferenciada. Numa das imagens que enviamos para Brasília, esse contraste fica muito evidente. Nela, vê-se um barco e uma placa de proibido estacionar dentro do rio. É isso que tentamos capturar. Deslocamo-nos diariamente pelo Recife observando as mudanças na paisagem”, explica o ator.

Se a relação da geração pós-mangue do Recife com o Magiluth é apaixonada, revelando o poder de comunicação dos espetáculos do grupo com espectadores ávidos por uma linguagem mais pop no palco, a trupe agora dá um passo arriscado em sua curta história, montando o espetáculo Gregório, a partir do texto original O canto de Gregório, de Paulo Santoro, anteriormente encenado no Brasil por ninguém menos que Antunes Filho.

A peça é um monólogo da personagem-título sobre as questões da ética e da bondade. Gregório se encontra, em sua mente, com mitos da religião e da filosofia, como Jesus Cristo e Sócrates, para discutir os limites e paradoxos do bem no mundo, enquanto se prepara para ser julgado por um gesto que põe em xeque sua própria bondade.

TEATRO DA PALAVRA
“Enquanto Um torto, nosso espetáculo anterior, apelava para a emoção, Gregório apela para a razão. É um teatro da palavra, o que não é nossa marca, mas não mexemos no texto e, sim, na forma. Trabalhamos com quatro atores, desconstruindo o monólogo, e utilizamos o humor, o nonsense, para representar as figuras que vão aparecendo na mente da personagem”, afirma Vilela, que dirige pela primeira vez o coletivo. Ao longo de nove meses, o grupo dedicou-se à construção do trabalho, sem abandonar a horizontalidade que caracteriza sua pesquisa, num processo colaborativo.

Num espaço branco e neutro como a mente de Gregório, sem recursos cenográficos, com uma trilha sonora que traduz o fluxo de pensamento da personagem, e com os atores vivendo tipos tão complexos como Buda, o Magiluth aposta desta vez num teatro mais reflexivo. “Queremos tirar nosso público do lugar de conforto, porque temos que alimentar nosso desejo como artistas e não cair em armadilhas”, pondera o diretor.

Realizado com recursos próprios, Gregório já enfrenta uma primeira dificuldade ao nascer: a falta de pauta nos teatros. Com estreia prevista para abril, o grupo ainda não sabe onde exibirá seu novo rebento. “Há a possibilidade de levarmos o espetáculo para a rua”, arrisca Vilela. Lugar mais indicado para debater as questões da ética e da cidade no mundo contemporâneo certamente não haverá. 

RODRIGO DOURADO, jornalista, mestre e doutorando em Comunicação Social.

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