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Karina Buhr: Na trilha percorrida pelos velhos baianos

Com 'Longe de onde', cantora e compositora é aprovada no teste do segundo CD e se destaca na nova geração de músicos do país

TEXTO José Teles

01 de Dezembro de 2011

Karina Buhr

Karina Buhr

Foto Jorge Bispo/Divulgação

Há 44 anos, a música brasileira se encontrava em ponto de ebulição, com o que muitos consideravam traição de Gilberto Gil e Caetano Veloso, que trocaram o violão e a MPB universitária e engajada pelas insolências do rock, adotando nefandas guitarras elétricas. Um cisma que rendeu choro e ranger de dentes levou Geraldo Vandré a fazer uma campanha Brasil afora contra o tropicalismo, provocou Caetano Veloso, em 1968, a dar um esculacho histórico na plateia do festival em que cantou É proibido proibir, e rendeu para ele e Gilberto Gil uma estadia forçada em Londres, de 1969 a 1972.

A ousadia dos baianos e de artistas que vieram depois foi assimilada, e assim a também baiana Karina Buhr (com formação cultural pernambucana) cruzou a fronteira entre a música de raízes da Comadre Florzinha para o pop/rock, da alfaia para a guitarra, sem traumas, nem questionamentos. Embora tenha suscitado estranhamentos. Ela garante que o que mostrou em Eu menti pra você (2010), sua estreia solo, trazia consigo há tempos, só não se encaixava no som da Comadre Florzinha. Muito menos se encaixava no antigo grupo sua performance em palco, uma das mais comentadas do Abril Pro Rock deste ano de 2011. Contra ou favor, ninguém fingiu indiferença às caras e bocas, pulos e saltos que Karina, incansável, esbanjou no palco do festival.

Karina Buhr diz que o fato de ter ido morar na cosmopolita São Paulo, cidade de todos os sons, não influiu nas mudanças musicais: “Nada a ver com o lugar. Já quando eu vivia no Recife, queria fazer o que faço hoje. Tem a ver com uma coisa interna, minha. A ideia já existia e foi se afirmando”, garante a cantora que, no segundo disco, Longe de onde (Coqueiro Verde), reafirma sua vocação para ser uma espécie de Rita Lee do século 21. Rita Lee? Sim, por que não? Assim como Rita Lee, ela é roqueira com naturalidade. Rock não é necessariamente emoldurado por guitarras caprichando nos decibéis. Karina Buhr compõe e canta rock pesado, feito em Carapalavra, que abre o repertório de Longe de onde. Porém, a maioria do álbum é de canções doces e ternas, a exemplo do reggaeCadáver, cuja letra não poderia ser mais cáustica. Ou no rock/calipso Não me ame tanto: “Não posso suportar um amor que é mais do eu sinto por dentro”. Ou seja, suave, mas como certos pratos apimentados. O ardor é o que acaba predominando.


A cantora cruzou a fronteira da música de raiz da  Comadre Florzinha e enveredou pelo rock. Foto: Jorge Bispo/Divulgação

Em Eu menti para você, ela já ensaia a temática, inclusive na confissão explícita no título da música. Um disco no qual ela escancarou sua face oculta, mas sem ansiedades: “Sinceramente, eu não estava preocupada com isso. Lógico que queria ver a repercussão que teria. Para mim, foram maravilhosas as críticas elogiosas, a aceitação, assim, de exclamar, ‘Puxa, eu consegui’”, comenta Karina, que passou bem pelo teste do segundo disco. Os elogios novamente foram quase unânimes na imprensa, ela foi incluída, pela MTV americana, numa disputa para as Top 5 “descobertas” mundiais do final de novembro.

Assim como a Rita Lee dos bons tempos, Karina Burh está à frente de uma banda de marmanjos, e dos mais talentosos do rock brasileiro. Aliás, uma das melhores do país: a luxuosa dupla de guitarristas Edgard Scandurra e Fernando Catatau, e o aclamado trompetista Guisado. Mais André Lima, no teclado, Bruno Buarque, baterista, e Mau, baixista, esses dois coassinam a produção com Karina (repetindo a dose do CD anterior).

Rita Lee foi a primeira mulher do rock nacional a ir à luta, e assumir que estava num mato sem cachorro, e que não precisava de cachorros. Foi a ovelha negra da família roqueira feminina tupiniquim. Karina Buhr vai por aí. O tempo inteiro, ela assume sua fragilidade feminina, mas também sem parar de ressaltar que está consciente de tal condição, e pronta para o que der e vier. Nisso, ela se garante na originalidade da temática amorosa: “E eu te peço que/ se aproxime de mim um pouco/ mas não tanto/ a ponto de eu sentir sua falta/ quando você for embora” (Amor brando).

Algumas críticas ouvidas em relação a Karina Buhr dizem respeito à voz, sem muita extensão, sobretudo para o rock. Ora, há anos, voz é funcionalidade. A citada Rita Lee nunca teve essa voz toda, e segura a onda há mais de 40 anos. O importante não é a extensão, é saber usar. E isso Celly Campelo, no final dos anos 1950, já ensinava. A turnê de Longe de onde começou dia 18 de novembro, no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e aporta dia 27 de janeiro, no Teatro Guararapes, no Recife. 

JOSÉ TELES, jornalista, crítico de música e escritor.

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