Inicialmente, a Amazon trabalhava sem estoque. Apenas quando um livro era vendido em seu site é que a equipe de Bezos contatava distribuidores de livros e faziam a compra. Dessa forma, sem um único exemplar na prateleira, a empresa estreou na internet em 1995, oferecendo um milhão de títulos a preços baixos.
A estratégia foi bem-sucedida e contava com a simpatia de distribuidores e editoras, receosas do poder de mercado de grandes livrarias como a Barnes and Nobles e a Borders. Grandes cadeias do varejo de livros impõem o seu poder de compra a editoras e distribuidoras, reduzindo margens e exigindo melhores condições de pagamento. Alimentar o sucesso da Amazon era oferecer uma alternativa ao poder de mercado dessas livrarias de shoppings. Ironicamente, a Amazon cresceu tanto, que ela se tornou, sozinha, mais poderosa do que as grandes livrarias, e algumas delas chegaram mesmo a falir, como a Borders. Para isso, a Amazon explorou o seu poder de mercado e inovou com truques tecnológicos, o que a fez comprar brigas com o conservador mercado editorial.
Um dos sucessos da Amazon é não ter receio de se reinventar e explorar novas tecnologias e formas de comercialização. Quando o executivo Kessel foi encarregado de desenvolver o leitor Kindle, Jeff Bezos lhe confiou a missão de quebrar o seu principal negócio, a venda de livros pelo correio. “Eu quero que você trabalhe com o objetivo de fazer todo mundo que vive de vender livros físicos ficar sem emprego”, disse. Bezos estava influenciado por um livro de um professor de Harvard que pregava que organizações falhavam ao deixar de investir nas inovações que colocariam em risco o seu próprio modelo de negócio. A Kodak é um desses exemplos. A empresa desenvolveu a tecnologia de foto digital, mas resolveu não explorar esse negócio para não pôr em risco o lucrativo mercado de revelações. A Amazon não iria ser uma Kodak; o Kindle seria a aposta da empresa no então incipiente mercado de livros digitais.
LIVRO ELETRÔNICO
Enquanto entrava num segmento em que tinha experiência zero – hardware de computador para leitura –, a Amazon pressionou editoras a digitalizarem o seu estoque de livros. Uma das principais razões do insucesso dos aparelhos digitais de leitura que existiam era a ausência de best-sellers publicados no formato digital. Livro eletrônico era coisa de geek e nerd, não do leitor do dia a dia. Por isso, para popularizar a nova forma de ler livros, era preciso desenvolver uma oferta de títulos que fosse atrativa para ser lançada junto com o hardware. Foi assim que a Amazon concebeu o Kindle como um modelo de negócio, e não como um aparelho (que muitos suspeitam que alguns modelos chegam a ser vendidos abaixo do custo).
O Kindle iria demorar ainda alguns anos para ser lançado no mercado americano, chegando apenas em 2007, já com uma grande oferta de títulos. As editoras foram parceiras da Amazon no processo de digitalização, mas rapidamente perceberam que estavam levando o que seria uma facada nas costas (e não a única). Quando, finalmente, o Kindle foi lançado, a Amazon anunciou a venda de best-sellers a US$ 9.99, valor abaixo do preço de compra dos títulos. Esse dumping virtual canibalizava a versão em capa dura dos livros, que tem maiores margens para as editoras. A Amazon perdia dinheiro a cada livro que vendia, mas consolidava a sua posição entre os consumidores e num novo mercado. O usuário de um Kindle tende a comprar livros digitais sempre da Amazon, o que lhe confere uma escala crescente.
Foto: Divulgação
Essa não foi a primeira das brigas entre a varejista e editoras. Quando a Amazon passou a vender livros usados ao lado de edições recentes em seu site, editoras e autores protestaram porque edições usadas não geram vendas para editoras ou royalties para autores. O mesmo grupo reclamou ao ver a liberdade com que a Amazon permite a usuários fazerem resenhas de livros, incluindo muitos comentários classificando obras com poucas estrelas (afinal, quem gosta de ver o seu livro malpontuado?). E, ao informar o ranque de venda de todos os títulos, a Amazon incentivou uma disputa instantânea e global.
Da oferta de livros usados a preços mais baixos para obras digitais, a Amazon costuma responder que apenas oferece as melhores condições para os consumidores. De fato, em muitas dessas batalhas, ela esteve do lado inovador e de preços mais baixos para o consumidor final. Só que a Amazon também se utiliza da inovação e algoritmos próprios para retaliar fornecedores. Um dos seus diferenciais é personalizar a página da loja para o histórico de compras de cada consumidor. Por exemplo, ao procurar por um autor, o usuário recebe também sugestões de outros livros semelhantes, baseadas no histórico de compras de outros consumidores.
Mas, quando em disputa com um fornecedor, a Amazon exclui das recomendações os títulos que não quer promover, de forma a forçar para baixo as vendas de uma empresa em particular. Após constatar o prejuízo por não querer seguir alguma política que a Amazon quer impor – como preços mais baixos para edições eletrônicas –, as editoras voltam para mesa de negociação, agora com a cabeça baixa.
Brad Stone retrata bem uma certa tensão que existe à medida que a Amazon cresce. O leitor vibra com a história de uma empresa que nasceu do zero e foi crescendo num mercado então dominado por poucas grandes empresas com modelos de negócio conservadores. Só que a Amazon, ao crescer, impõe a sua força sobre os fornecedores, tal como outras gigantes. Ainda que ela repasse preços menores para os consumidores, como faz o Wal Mart nos Estados Unidos, há quem receie estar alimentando um monstro que vai se virar contra o consumidor e novos parceiros amanhã. Bezos é ciente dessa possível contradição e quer continuar com a imagem de uma empresa cool e inovadora, em vez de uma monopolista malfalada como a Microsoft.
Hoje, a Amazon é muito mais do que livros, mas esse foi o mercado mais afetado pela expansão da varejista virtual. E a missão confiada a Steve Kessel, de destruir o modelo de negócio tradicional de venda de livros, está apenas começando no Brasil. Baseado na experiência americana, dá para aguardar novas quedas de braço com editoras nacionais e reações dos livreiros.
RENATO LIMA, jornalista.