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Infantil: Um tema delicado

A história de uma lagarta é levada à cena na peça 'De Íris ao arco-íris', com o intuito de discutir a morte com as crianças

TEXTO Leidson Ferraz

01 de Agosto de 2013

Quando a personagem vira borboleta, a peça adota a tridimensionalidade

Quando a personagem vira borboleta, a peça adota a tridimensionalidade

Foto Leandro Lima/Divulgação

Há quem diga que algumas borboletas sobrevivem apenas 24 horas. Outras conseguem até nove meses de vida. Fato é a curta existência desses insetos, com inúmeros percalços desde o primeiro voo. Há também quem não queira falar sobre a morte com as crianças. Muitos pais e mães preferem omitir tal assunto ou o escamoteiam com um “virou estrela no céu”. O encenador Jorge de Paula encarou o desafio de abordá-lo na peça De Íris ao arco-íris, sobre uma lagarta que se transforma em borboleta e depara-se com um fim prematuro. “A morte é algo que se esconde das crianças porque tudo se resume à vida e ao consumo. Há, inclusive, pessoas que têm verdadeira aversão ao tema”, comenta. Nesse conto de fadas, em cartaz durante este mês no Teatro Marco Camarotti, a morte é tratada de modo a não resultar em tristeza.

No enredo, com criação coletiva a partir dos escritos do próprio Jorge de Paula, Íris é uma lagarta que sonha em chegar ao reino encantado. Quando vira borboleta, ela finalmente atravessa o céu, tentando atingir seu destino. No voo, depara-se com nuvens as mais diversas, todas de nomes engraçados – Nuvem Ilha, Ventilador, Sorvete e Geladeira –, sem perceber que o seu corpo vai congelando. A morte, então, é inevitável. A jornada ganha um lindo significado, quando uma fada descobre toda a história e, emocionada, acaba pintando o céu com suas lágrimas em meio às cores da sonhadora borboleta. “Voltada para todas as idades, a peça traz o tema da morte, mas, de fato, é uma fábula sobre a persistência”, lembra o autor e diretor, também no elenco.

Essa trama surgiu quando Jorge de Paula ainda cursava Artes Cênicas na UFPE e foi convidado pelo professor Marco Camarotti a participar do projeto Pátio da Fantasia, com pesquisa voltada ao teatro para a infância. “Nos aprofundamentos teóricos e práticos, Camarotti queria despertar a nossa criança guardada, deixá-la viva, pela espontaneidade própria da idade”, lembra. Num dos encontros, ele lançou a pergunta-chave para a criação da história: “Por que o arco-íris aparece quando chove?”. A proposta era responder à questão através de dança, música ou narrativa ser contada. “Mas tudo que vinha era ainda um compromisso meu, muito de adulto, querendo agradar ao professor”, confessa.

Até que, brincando com um sobrinho no jardim de casa, os animaizinhos que ali se encontravam fizeram a imaginação da infância emergir em Jorge e, com ela, o conto de fadas. Com as aventuras de Íris aprovadas pelo mestre, o texto foi encenado diversas vezes pelo grupo, especialmente para crianças surdas de ONGs e escolas públicas, como parte do projeto Pátio da Fantasia, também voltado a meninos e meninas cegas, com deficiência cognitiva ou hospitalizadas. No entanto, a proposta de ser bilíngue, com parte do texto falado e em libras (comunicação pelo uso das mãos), fragilizou alguns trechos. “Especialmente porque as crianças surdas têm uma alfabetização diferenciada e perdiam algumas partes. Chegamos a pensar em reformulações, mas Camarotti faleceu e o projeto, infelizmente, parou”, recorda.

TEATRO DE SOMBRAS
Em 2012, após diversas tentativas frustradas de retomar De Íris ao arco-íris em parceria com a atriz Andréa Veruska – que também foi aluna de Marco Camarotti –, conseguiram aprovação no edital do Funcultura, do Governo do Estado de Pernambuco, e do Prêmio Myriam Muniz, da Funarte. “A ideia inicial era fazer um revival do espetáculo, partindo da proposta de Camarotti do teatro ser, de fato, uma experiência transformadora para as crianças, mas levamos a montagem para outra perspectiva, com público para todas as idades, surdo ou ouvinte, alfabetizado ou não, já que abdicamos do texto falado, de sonoridades e onomatopeias”, conta Jorge de Paula. Duas novas técnicas, então, foram escolhidas para desenvolver a história da borboleta sonhadora: o teatro de sombras e o de formas animadas.


O espetáculo utiliza tela difusora especial para dar vida aos personagens.
Foto: Leandro Lima/Divulgação

“A encenação é pautada em duas dimensões, uma bidimensional, quando Íris ainda é uma lagarta, ou seja, um ser da terra, que se rasteja, e aí utilizamos o teatro de sombras; e outra tridimensional, com o teatro de formas animadas, quando ela passa a ser borboleta e pode voar.” De forte apelo visual, a peça conta com uma rara (e cara) tela difusora, apropriada à técnica de sombras. Todas as silhuetas e desenhos das personagens foram concebidas pelo artista gráfico pernambucano Luciano Félix e guardam uma proximidade com as histórias em quadrinhos. O aderecista Henrique Celibi ficou responsável pela execução das mesmas. Ainda na ficha técnica, Marcondes Lima nos cenários e figurinos, e Eron Villar na iluminação. A peça traz no elenco Jorge de Paula, Andréa Veruska, Iara Campos e Lucélia Albuquerque, com produção de Karla Martins.

Não há fala em nenhum dos 55 minutos do espetáculo, pontuado por trilha sonora do músico Júlio Morais, que cria climas os mais diversos para as aventuras da pequenina Íris. “Tudo acontece como numa metáfora de imagens em sequência, em que a protagonista morre, é verdade, mas tenta aproveitar ao máximo o seu ciclo de vida”, diz Jorge de Paula, comentando sobre o seu encantamento ao conhecer um borboletário no Pantanal, em 2012, quando a peça ainda estava como projeto de montagem. “Foi um contato raro, porque aquele jardim que me serviu de inspiração não existe mais. Acabou transformado em garagem. Então, hoje é difícil eu ver borboletas por aí”, diz, com pesar.

Pela estreia acontecida em maio deste ano, durante o Festival Palco Giratório Recife Brasil, as expectativas são as melhores possíveis. “Marco Camarotti dizia que não há problema nenhum em tratar da morte ou de qualquer outro tema com as crianças. A morte faz parte da vida e a criança precisa se relacionar com isso também. Temos só que encontrar a melhor maneira de abordagem”, diz. Afinal, seguindo a sabedoria dos orientais, quem disse que a morte precisa ser uma experiência tão sofrida? 

LEIDSON FERRAZ, jornalista, ator, produtor e pesquisador da área teatral.

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