O Recife é um lugar onde a prática artística sempre se desenvolveu tradicionalmente em grupo, até mesmo porque esse é o local, a priori, no qual se formam os artistas, sendo assim, a companhia de dança consolidou-se, por aqui, no papel duplo de escola-trabalho. As mudanças que as novas configurações socioeconômicas impuseram não conseguiram transformar totalmente a realidade da cena pernambucana. Atenta ao fato, a Mostra Brasileira de Dança, produzida por Paulo de Castro e Iris Macedo, garante a presença de grandes companhias em sua diversificada grade de atrações, com ingressos a preços populares e até entrada franca.
MUITOS INTÉRPRETES
Merece um destaque especial o espetáculo da Compassos Cia. de Dança (PE), Três mulheres e um bordado de sol. Prestes a comemorar 25 anos de trajetória, a companhia dirigida por Raimundo Branco, sempre investiu em elencos numerosos, mesmo sabendo da dificuldade que essa escolha acarreta. “Para mim, a experiência em grupo é muito mais rica, porque favorece a troca e possibilita que a gente discuta o corpo de uma forma macro, proporcionando o amadurecimento profissional e pessoal dos artistas. Procuro sempre perceber a quantidade de intérpretes que cada obra pede, mas como gosto de trabalhar conflitos de personagens, acabo por criar para grupos de mais de cinco pessoas”, justifica Branco. Para falar do feminino a partir da poética, obra e biografia de Clarice Lispector, Edith Piaf e Frida Kahlo, ele escolheu sete intérpretes, incluindo o iluminador Eron Villar, que tem destacada atuação no elenco. Concebido para um espaço de área livre, com cadeiras móveis para os espectadores, a obra tem no público um partícipe, que compõe o espetáculo junto aos bailarinos. A profundidade de uma pesquisa desenvolvida por mais de três anos ininterruptos aparece nas cenas dramáticas e envolventes de Três mulheres e um bordado de sol. Impressiona também a unidade da companhia, onde todos os intérpretes apresentam o mesmo nível e estão inteiros na proposta; contando a história em um movimento fluido e coeso, mas sem esconder os valores subjetivos de cada bailarino-ator. “As narrativas que me interessam explorar são muito imagéticas e não dá para desenvolver determinadas ideias em solos ou duos. As histórias que quero contar têm muitos personagens, relações complexas e situações de conflito sempre”, explica Branco.
Quem vê a Compassos em cena, percebe o entrelaçamento de linguagens que compõe o perfil da companhia. Dança, teatro e capoeira dialogam com música, cinema, artes visuais e literatura – como era a intenção de Raimundo Branco quando criou o grupo. “A culpa é de André Madureira, diretor do Balé Popular do Recife, que me mostrou há muito tempo que dá para trabalhar dança, teatro, capoeira, tudo junto num mesmo espetáculo”. Seguindo essa trilha, Branco apostou na formação múltipla dos seus bailarinos, e o resultado aparece agora consolidado e maduro em Três mulheres e um bordado de sol.
CHRISTIANE GALDINO, jornalista, professora e doutoranda em Antropologia pela UFPE.