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Grupos: Corpos no plural

A 12ª Mostra Brasileira de Dança contraria tendência de eventos que privilegiam os solos e duos e aposta nos grandes elencos

TEXTO Christiane Galdino

01 de Agosto de 2015

'Três mulheres e um bordado de sol', da CIA Passos, está entre os destaques

'Três mulheres e um bordado de sol', da CIA Passos, está entre os destaques

Foto Rogério Alves/Sobrado 423/Divulgação

Cada vez mais as contingências econômicas desenham um cenário reduzido nas artes, em vários sentidos. Na dança não é diferente, isso se nota na proliferação recente de festivais que contemplam exclusivamente solos e duos e com programações bem enxutas. Não é novidade para os artistas brasileiros – principalmente os residentes em regiões como o Norte e o Nordeste – que na busca da estabilidade profissional um dos maiores entraves é a difusão. Conseguir circular para mostrar o trabalho além das fronteiras estaduais e até municipais é uma missão quase impossível em tempos de crise. E quanto mais gente na equipe, mais difícil a empreitada. Por conta dessa reconfiguração da cena da dança, alguns grupos foram extintos ou forçados a repensar o quantitativo dos seus elencos e a sua dinâmica de funcionamento.

Para os que resistem, os eventos da área funcionam como vitrines. E se os festivais e mostras cumprem papel decisivo nesse processo, estar presente neles é um importante fator para conquistar a tão desejada projeção. Mas como garantir esse espaço, se os próprios eventos precisaram encolher para se adequar às novas configurações sociais? Marcada pela diversidade de estilos desde a sua criação, a Mostra Brasileira de Dança chega à décima segunda edição e, na contramão da crise e do reducionismo por ela imposto, decide priorizar grupos com elencos numerosos e trajetórias consolidadas.

Segundo a curadora e produtora Iris Macedo, os festivais devem ser espaços de difusão de grandes obras, independente da quantidade de pessoas envolvidas nas equipes. “Com essa iniciativa queremos proporcionar ao público o contato com produções grandiosas, vindas de todo o Brasil, e estimular também o investimento governamental na criação de companhias de dança estatais, como é o caso de três dos grupos presentes na programação. Queremos mostrar que existem muitos fatores implicados num espetáculo de dança, não é só o movimento, tem todo o sistema de luz, som, direção de arte. Isso envolve a participação de muita gente”, destaca.

Fundada em 1971 e mantida pelo Governo de Minas Gerais, a Cia. de Dança Palácio das Artes traz um elenco de 17 bailarinos na remontagem do espetáculo Entre o céu e as serras, para a abertura da mostra, nos dias 5 e 6 de agosto, no Teatro de Santa Isabel. O Balé da Cidade de São Paulo (SP), a Cia. Mário Nascimento (MG), a Focus Cia. de Dança (RJ) e o Corpo de Dança do Amazonas (AM) são outros convidados de peso, na extensa e variada programação do festival, que durante dez dias vai ocupar vários teatros e espaços do Recife, com espetáculos, coreografias, performances e atividades formativas. Nesse reino do superlativo, a cena local está muito bem representada por alguns dos seus maiores grupos de dança, “em qualidade e quantidade”: o Grupo Experimental; a Vias da Dança; a Cia. Etc.; a Cia. Sopro-de-Zéfiro – Cecília Brennand; a Criart Cia. de Dança, o Ballet Stúdio de Danças e a Academia Fátima Freitas, entre tantos outros.


De Minas, Entre o céu e as serras é o espetáculo de abertura do evento.
Foto: Guto Muniz/Divulgação

O Recife é um lugar onde a prática artística sempre se desenvolveu tradicionalmente em grupo, até mesmo porque esse é o local, a priori, no qual se formam os artistas, sendo assim, a companhia de dança consolidou-se, por aqui, no papel duplo de escola-trabalho. As mudanças que as novas configurações socioeconômicas impuseram não conseguiram transformar totalmente a realidade da cena pernambucana. Atenta ao fato, a Mostra Brasileira de Dança, produzida por Paulo de Castro e Iris Macedo, garante a presença de grandes companhias em sua diversificada grade de atrações, com ingressos a preços populares e até entrada franca.

MUITOS INTÉRPRETES
Merece um destaque especial o espetáculo da Compassos Cia. de Dança (PE), Três mulheres e um bordado de sol. Prestes a comemorar 25 anos de trajetória, a companhia dirigida por Raimundo Branco, sempre investiu em elencos numerosos, mesmo sabendo da dificuldade que essa escolha acarreta. “Para mim, a experiência em grupo é muito mais rica, porque favorece a troca e possibilita que a gente discuta o corpo de uma forma macro, proporcionando o amadurecimento profissional e pessoal dos artistas. Procuro sempre perceber a quantidade de intérpretes que cada obra pede, mas como gosto de trabalhar conflitos de personagens, acabo por criar para grupos de mais de cinco pessoas”justifica Branco. Para falar do feminino a partir da poética, obra e biografia de Clarice Lispector, Edith Piaf e Frida Kahlo, ele escolheu sete intérpretes, incluindo o iluminador Eron Villar, que tem destacada atuação no elenco. Concebido para um espaço de área livre, com cadeiras móveis para os espectadores, a obra tem no público um partícipe, que compõe o espetáculo junto aos bailarinos. A profundidade de uma pesquisa desenvolvida por mais de três anos ininterruptos aparece nas cenas dramáticas e envolventes de Três mulheres e um bordado de sol. Impressiona também a unidade da companhia, onde todos os intérpretes apresentam o mesmo nível e estão inteiros na proposta; contando a história em um movimento fluido e coeso, mas sem esconder os valores subjetivos de cada bailarino-ator. “As narrativas que me interessam explorar são muito imagéticas e não dá para desenvolver determinadas ideias em solos ou duos. As histórias que quero contar têm muitos personagens, relações complexas e situações de conflito sempre”, explica Branco.

Quem vê a Compassos em cena, percebe o entrelaçamento de linguagens que compõe o perfil da companhia. Dança, teatro e capoeira dialogam com música, cinema, artes visuais e literatura – como era a intenção de Raimundo Branco quando criou o grupo. “A culpa é de André Madureira, diretor do Balé Popular do Recife, que me mostrou há muito tempo que dá para trabalhar dança, teatro, capoeira, tudo junto num mesmo espetáculo”Seguindo essa trilha, Branco apostou na formação múltipla dos seus bailarinos, e o resultado aparece agora consolidado e maduro em Três mulheres e um bordado de sol. 

CHRISTIANE GALDINO, jornalista, professora e doutoranda em Antropologia pela UFPE.

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