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Exposição: O “efeito” Iberê Camargo

Para marcar o centenário do pintor, Fundação em Porto Alegre, realiza mostra que propõe a relação de suas obras com trabalhos de artistas contemporâneos

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Novembro de 2014

Edifício da Fundação foi projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza

Edifício da Fundação foi projetado pelo arquiteto português Álvaro Siza

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Visuais" | ed. 167 | nov 2014]

As principais problemáticas da obra do pintor gaúcho
e suas repercussões sobre os artistas contemporâneos são o vetor da mostra Iberê Camargo: século 21, que, a partir do dia 18 de novembro, ocupa a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, marcando as comemorações do seu centenário. Ao deixar de lado o modelo tradicional de comemoração de efemérides – quando são montadas grandes mostras cronológicas –, os curadores Agnaldo Farias, Jacques Leenhardt e Icleia Borsa Cattani pretendem apresentar a potência poética do artista, estabelecendo diálogos, relações e tensões entre sua produção e a de nomes da cena atual, que apostam numa gama de linguagens e suportes.

A mostra conta com cerca de 70 obras de Iberê Camargo e de 19 artistas contemporâneos, entre eles Angelo Venosa, Arthur Lecher, Carmela Gross, Cia. de Foto, Eduardo Frota, Fabio Miguez, Jarbas Lopes, José Rufino, Regina Silveira, Rodrigo Andrade. A seleção traz nomes de gerações diferentes, alguns conhecedores da obra de Iberê, outros sem muita aproximação. Segundo Agnaldo Farias, houve a concordância entre toda a equipe de que era importante sublinhar a efeméride apontando as ressonâncias diretas e indiretas da obra de Iberê, passando por contemporâneos do artista, seus discípulos, gente que o assistiu em sua produção cotidiana, sem esquecer de destacar produções mais recentes que carregam, de algum modo, poéticas afinadas com as suas.

O pernambucano Gil Vicente, por exemplo, tem sua obra Homenagem a Osman Lins (um desenho em nanquim, quase todo recoberto de preto, no qual se estende uma pessoa de quem só vemos os pés e a cabeça) posta em diálogo com retratos enlutados de Iberê Camargo, incluindo um autorretrato. Para os curadores, ambos vêm “numa conversa a distância, mergulhando fundo na construção de retratos psicológicos”. “Não conheci Iberê pessoalmente, mas acompanhei como ele se tornou referência para os novos artistas da geração de 1980, no Brasil. A pintura mais madura dele tem um incômodo visceral no tema e uma desesperada fatura, mesmo nos trabalhos onde a figura está ausente”, destaca Gil.

Para compor a narrativa, os curadores buscaram pontos em comum, como a visão sombria do mundo e o drama persistente da solidão do indivíduo. “O objetivo central da mostra foi estabelecer um coro, colocar lado a lado um grupo consistente de vozes até então distantes umas das outras, sem se importar muito se as relações se dão ou não sob o modo de convergência. A tensão e a surpresa provenientes da proximidade e do cruzamento puro e simples interessam por si só, já que podem desencadear uma pletora de sentidos”, pontua o curador Agnaldo Farias.

Todos os espaços do edifício, projetado por Álvaro Siza para abrigar a Fundação, foram tratados como coprotagonistas da mostra – o prédio, em si, segundo os curadores, foi a primeira obra selecionada. A fachada, as rampas, o átrio e os quatro pisos serão completamente tomados pela mostra, que traz, além das obras, documentários sobre o artista, projeção de imagens, a produção literária de Iberê e trechos de alguns clássicos da filmografia expressionista que faziam parte do seu acervo. Ainda durante as comemorações, será lançado o livro 100 anos de Iberê Camargo, pela Cosac Naify, contendo todos os textos curatoriais das exposições realizadas pela Fundação Iberê Camargo desde sua abertura, em 2008. A instituição também está promovendo a catalogação completa das obras do artista, coordenada pela professora Mônica Zielinsky. 

MARIANA OLIVEIRA, editora-assistente da revista Continente.

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