Para fins analíticos, ela enquadrou os gastrônomos em três tópicos distintos. “Havia os profissionais da gastronomia, como chefs, donos de restaurantes e jornalistas especializados na crítica culinária; os amantes da boa mesa, as pessoas que gostam de receber os amigos para dividir suas novas descobertas; e os estudantes de Gastronomia, que são aquelas pessoas que se matricularam num curso superior da disciplina”, explica. Ao todo, foram 12 entrevistados. Após a fase da coleta de dados, veio o cotejamento com os estudos sociológicos. Alberto Melucci (1943-2001), Max Webber (1864-1920) e Pierre Bourdieu (1930-2002) foram alguns dos autores utilizados por Clarissa Galvão para criar o arcabouço teórico do seu trabalho.
Dize-me o que comes e te direi quem és é uma interessante investigação de um fenômeno percebido em qualquer lugar do planeta – da França, berço da alta gastronomia, ao Brasil, lugar onde logo se difundiu uma expressão como “raio gourmetizador”, um chiste sobre a “gourmetização” de tudo que se refere ao prazer de comer. “As escolhas cotidianas formam o processo de construção da narrativa da nossa identidade e passam uma mensagem de quem somos. A equação entre o que você é o que você quer ser é perpassada pelos marcadores identitários. Classe social, gênero, raça e nacionalidade, por exemplo, são marcadores ‘clássicos’, por assim dizer; mas os gastrônomos são pessoas que também podem ser identificadas por essa relação com a gastronomia”, explana a pesquisadora.
Além de reflexões sobre identidade – “como você vê a si mesmo e como os outros lhe veem, ou seja, a autoidentidade e a identidade social”, nas palavras da autora, o livro fala do estilo de vida engendrado por quem vive da gastronomia ou fez dela mais do que um passatempo. Clarissa Galvão observa que esse tema é ainda visto como “frívolo, menor e desimportante” em alguns círculos acadêmicos. “Nos congressos e seminários que frequento, não existem mesas específicas sobre isso, ou mesmo linhas de pesquisa. É um campo de estudo ainda à margem”, comenta. Nesse sentido, sua contribuição, já relevante para os que, sem dominar a Sociologia, entendem que o assunto é indissociável do mundo tal qual se estrutura hoje, é muito mais do que valiosa.
LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.