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Eric Hobsbawn e o tempo a que se filia

Na última obra compilada pelo historiador marxista, suas análises em relação à cultura e à arte evidenciam um pensamento que rejeita a atuação da vanguarda

TEXTO Mariana Camaroti

01 de Setembro de 2013

Eric Hobsbawn

Eric Hobsbawn

Foto Divulgação

O que aconteceu com a arte e a cultura da sociedade burguesa, uma vez que esta desapareceu, na geração posterior a 1914? Tempos fraturados – cultura e sociedade do século XX, último livro de Eric Hobsbawn, analisa como a revolução da ciência e da tecnologia, o desenvolvimento da sociedade de consumo e a entrada das massas na política afetaram e desintegraram o modelo ocidental até então vigente.

O livro reúne 22 textos – conferências em festivais literários, ensaios inéditos e resenhas sobre livros de ciência e economia – escritos em sua maioria a partir de 1990. A coletânea foi finalizada antes da morte do autor (em outubro de 2012, aos 95 anos), mas só agora publicada, pela Companhia das Letras.

Na sociedade burguesa, havia uma separação entre arte e cultura. Como acontecia também com a religião, a arte era algo superior, destinada e apreciada por poucos; um degrau para a aquisição de cultura. Esta, representava elevação espiritual, fosse no âmbito privado – leitura – ou púbico – teatro, museus, salas de música ou lugares símbolos do mundo cultural, como as Pirâmides do Egito ou o Panteão grego. Arte e entretenimento eram separadas, assim como reverência e consumo, trabalho e prazer, corpo e espírito.

O paradigma da arte como culto e da cultura como inatingível para a maioria foi quebrado, e a cultura, antes distante do entretenimento, começou a dele se aproximar.

Hobsbawn discorre sobre as dificuldades da alta cultura nos dias de hoje e explica que as artes, no século passado, foram transformadas principalmente por meio das tecnologias da comunicação e da reprodução.

Essa mesma combustão tecnológica que trouxe o cinema, o rádio, a televisão e a reprodução da música em aparelhos portáteis permitiu que as massas tivessem acesso à arte, modificando-a.

Antes da industrialização da produção e da reprodução cultural, as artes visuais, como a pintura e a escultura, mantinham-se artesanalmente. Isso explica, segundo o autor, a crise na qual essas expressões se encontrariam hoje.

O mesmo não aconteceu em outras áreas, como com a literatura, que se renovou com a imprensa, e com a arquitetura – que hoje serve seus trabalhos a edificações “megalomaníacas” abertas ao público, como os de arranha-céus de Kuala Lumpur e Xangai.

O autor relaciona a necessidade de gastar da afirmada classe burguesa – quando esta se distancia dos valores puritanos e o dispêndio passa a ter a mesma importância que a acumulação – ao florescimento da art nouveau. E justifica por que esta era inviável, durou poucos anos e derivou na art déco – símbolo da prosperidade das metrópoles na década de 1920, que decora a paisagem de Nova York com monumentos e edifícios como o Rockfeller Center e o Chrysler.

PÓS-ARTE
Hobsbawn também aborda a ruptura do significado tradicional da arte e da forma de fazê-la proposta pelo Dadaísmo e pela arte conceitual, inspirada no urinol e na roda de bicicleta de Marcel Duchamp, nas primeiras duas décadas do século passado.

Na sequência, versa sobre Andy Warhol, um dos criadores da Pop Art, baseada na sociedade consumista e dos ícones da indústria de massa norte-americana; e sobre o rock como expressão musical que admite deficiências artísticas, nega obrigações morais e rejeita critérios de ofício.


Imagem: Reprodução

Nesse ponto, Hobsbawn questiona o valor artístico desses movimentos e ícones do que ele chama de pós-arte –“Em certo sentido, as obras que em tal contexto se produzem como ‘arte’ foram piadas à custa dos que consideravam que uma imagem de comics ampliada, como as de Lichtenstein, era análoga à Mona Lisa” –, numa visão claramente conservadora para os critérios contemporâneos de análise da arte.

O historiador argumenta que a obra de Warhol – e outros contestadores do século passado – foi deliberadamente criada como antiarte ou não arte, e que poderia facilmente ser distinguida a olhos nus da arte. Warhol não quis revolucionar nem destruir nada, afirma Hobsbawn. Muito pelo contrário, aceitava bem o mundo. Por outro lado, seu valor está na coerência em rejeitar ser outra coisa senão o veículo passivo de um mundo saturado pelos meios de comunicação.

A publicação contempla ainda a função dos intelectuais e o surgimento do vaqueiro americano – “um mito internacional?” – e sentencia a decadência e o fracasso de quase todas as vanguardas no século passado.

Declaradamente marxista e membro do partido comunista, Eric Hobsbawn é reconhecido como um dos maiores e mais influentes intelectuais do século passado. Afirmava ter vivido no “século mais extraordinário e terrível da história humana”. Nasceu em uma família judia, no Egito, em 1917, cresceu na Áustria e na Alemanha e, depois, mudou-se para a Inglaterra, onde obteve a cidadania britânica.

É autor de uma vasta obra que inclui a série Era da Revolução (1962) – que cobre desde 1789, ano da Revolução Francesa, até 1914, início da I Guerra Mundial –, Era do Capital (1975), Era dos Impérios (1987) e Era dos Extremos (1994). Seu penúltimo livro, Como mudar o mundo, de 2011, é um compilado de textos escritos sobre Karl Marx e o comunismo. 

MARIANA CAMAROTI, jornalista radicada em Buenos Aires.

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