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Crônica: Em primeira pessoa, mas sob o lastro do “real”

'Documentais: desencontros, lembranças e testemunhos' reúne 30 textos que passeiam pelo gênero, com nuances que vão do memorialismo à narrativa leve e coloquial

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Julho de 2013

Samarone Lima, Luís Henrique Pellanda, Ricardo Lísias e Julián Fuks integram coletânea

Samarone Lima, Luís Henrique Pellanda, Ricardo Lísias e Julián Fuks integram coletânea

Fotos Divulgação

Pode até ser que não faça mais sentido distinguir os gêneros literários, depois de processos de desconstrução, hibridização, quebra de padrões... Depois da dissolução de amarras criativas e críticas, preocupar-se com isso seria um trabalho para os burocratas da literatura. Mas, convenhamos, pode ser que se libertar de padrões signifique também querer fazer uso deles, ler a obra a partir das premissas teóricas que têm ocupado o tempo e a inteligência da crítica.

Inquietação desse tipo moveu o jornalista Schneider Carpeggiani, que, junto com o escritor Raimundo Carrero, edita o jornal literário Pernambuco (Cepe). Ele acha discutível a reunião de contos e crônicas numa mesma categoria, adotada em boa parte dos concursos literários nacionais, já que entende que são coisas diferentes, sobretudo porque a crônica teria “o real” como lastro mínimo, o que não é premissa do conto. “Ambas narrativas curtas?”, indaga, quanto ao motivo alegado para uni-los. “Este não seria argumento suficiente”, rebate.

Então, Schneider deu seu depoimento contra esse critério dos concursos como pôde: reuniu os 30 textos que considerou as melhores crônicas publicadas no Pernambuco, desde 2007 até abril deste ano, e lançou-os no livro Documentais: desencontros, lembranças e testemunhos, que sai agora, também pela Cepe Editora. Além do “real como lastro”, outro critério adotado nesta seleção foi a baliza na primeira pessoa, num narrador supostamente não ficcional, portanto, um texto muito aproximado do depoimento, do testemunho, da memória.

Sim, essas são premissas da crônica, embora haja outras. E, como em demais coletâneas do gênero, o leitor perceberá algumas de suas características neste Documentais. Há, por exemplo, aquilo que se convencionou chamar de “típica crônica brasileira”, um tom coloquial, de texto que flui com tamanha leveza, que parece não ter exigido qualquer esforço do autor. Isso acontece neste volume com os textos de Xico Sá, Samarone Lima, Thiago Soares, Flávia de Gusmão, Julián Fuks, Carlos Henrique Schroeder, todos egressos do jornalismo.

Há textos memorialistas, meditativos, nostálgicos; e neste segmento se alinham os de Talles Colantino, Micheliny Verunschk, Rogério Pereira, Paulo Sérgio Scarpa, Anco Márcio Tenório Vieira. Crônicas que se aproximam do conto não são incomuns, e muitas vezes, com resultados maravilhosos. Exemplos são os textos de Ronaldo Correia de Brito, Carol Almeida, Adelaide Ivánova, Ricardo Domenck e Marcelino Freire.

Como toda leitura é um espelhamento do leitor, há os inevitáveis “preferidos”, que lhe tocam de maneira especial. No caso desta leitora, neste “gênero”, estariam os textos de Fabiana Moraes, Ricardo Lísias e Luís Henrique Pellanda.

Podemos “brigar” horas para encaixar textos em categorias canônicas, podemos discutir pertinências e impertinências nessas definições. Mas, com relação à crônica, há um aspecto que – junto com a subjetividade saudável, não ególatra – faz dela um texto cativante, necessário: a simplicidade. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

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