Arquivo

Crítica: Comentário literário no calor da hora

Nova compilação reúne textos de Álvaro Lins sobre sete autores do Nordeste, entre os quais Graciliano Ramos e João Cabral, quando eles ainda não eram cânones nacionais

TEXTO Adriana Dória Matos

01 de Abril de 2015

Imagem Arte sobre foto de divulgação

Hoje, já de posse de variado conteúdo sobre escritores canônicos, o jornalista e o crítico literário estão munidos de informações que os coloca numa situação confortável para a produção de textos consistentes e cheios de referências. Em contrapartida, a pressão do confronto com um autor alçado à categoria de “intocável” pode ser inibidora. À sua época, nos anos 1940 e 50, o crítico literário Álvaro Lins (1912-1970) estava diante de circunstância diversa, quando escreveu sobre os escritores que lhe eram contemporâneos: não havia muito escrito a respeito deles, tampouco eram o Graciliano Ramos, o João Cabral de Melo Neto ou o Jorge Amado que são hoje, pois eram todos escritores estreantes.

É nesse ponto de atirar por conta própria que se encontram as “críticas de rodapé” reunidas em Sete escritores do Nordeste – Álvaro Lins (Cepe Editora), organizado pelo jornalista, doutor em Teoria Literária e estudioso da obra de Lins, Eduardo Cesar Maia, que traz – além dos autores acima citados – escritos sobre Jorge de Lima, Augusto dos Anjos, José Lins do Rego e Nelson Rodrigues.

O leitor pode se perguntar se o caruaruense, que fez carreira jornalística no Rio de Janeiro, apenas escreveu sobre esses sete autores da região. “Não, Álvaro Lins escreveu sobre outros escritores, entre os quais Gilberto Freyre”, explica Cesar Maia. “Mas, nessa compilação, eu quis focar na crítica literária, propriamente, sobretudo naquela que estava sendo feita no calor da hora, no processo de lançamento das obras. Estes foram autores que Álvaro Lins visitou em vários momentos, dos quais fez revisão crítica. Também estiveram em consideração, para essa organização, aspectos práticos, como ser um livro que interessasse ao público em formação, por se tratar de autores hoje fundamentais, e econômico, para ‘caber’ no orçamento oferecido pela Lei de Incentivo.”

Cesar Maia também explica que o “Imperador da Crítica” – alcunha que lhe foi atribuída por Carlos Drummond de Andrade, por conta da influência que sua opinião exercia sobre público, críticos e escritores – comentou a obra de outros autores contemporâneos seus, que desapareceram do cenário literário nacional.

Esse trabalho Álvaro Lins realizou nas páginas do diário Correio da Manhã, no qual ocupava uma coluna de rodapé (daí a expressão “crítica de rodapé”) e tinha total autonomia para lançar seus pontos de vista, muitas vezes rigorosos, ou mesmo impiedosos, em relação às obras que analisava. Como gozava de prestígio, ao final de cada ano, ele publicava esses textos nas coletâneas Jornais de crítica, que tiveram volumes de 1 a 7.

Os textos publicados em Sete escritores do Nordeste – Álvaro Lins foram primeiramente publicados no jornal carioca entre 1941 e 1956, mas extraídos por Cesar Maia do livro Os mortos de sobrecasaca, coletânea publicada em 1963, que teve o conteúdo original atualizado pelo próprio Lins. Todo esse material está esgotado desde que críticos “impressionistas” como Álvaro Lins foram paulatinamente derrotados pela crítica acadêmica, numa batalha intelectual que vale uma matéria à parte. Por hora, basta que saibamos que o projeto do organizador é restaurar a obra do pernambucano, para que o seu ensaísmo personalista, inteligente, vibrante – e tantas vezes polêmico ou equivocado (quem nunca esteve?) – possa ser lido pelas gerações atuais e mesmo pela crítica universitária.

Nessa empreitada, Cesar Maia organizou Sobre crítica e críticos – Álvaro Lins (Cepe, 2012) e espera fechar a trilogia, continuada agora com Sete escritores do Nordeste, com um trabalho de análise em que abordará a contribuição de Álvaro Lins à crítica humanística, inserindo-o numa genealogia que agrega pensamento filosófico e crítica literária.

AS CRÍTICAS
Afora o interesse histórico que a leitura desses textos de Álvaro Lins desperta, naturalmente carregados das ideologias da época – semelhante ao que ocorre com as críticas literárias de George Orwell publicadas em periódicos da mesma época –, o leitor de Sete escritores do Nordeste terá o prazer de se deparar com a escrita do Imperador da Crítica. Percebemos que Lins não era apenas um ótimo leitor intuitivo, ele conhecia a literatura e os teóricos do seu tempo e de antes, apenas optava pelo personalismo. E é essa atitude deliberada que dá entusiasmo e vibração aos seus textos.

Quando escreve sobre Jorge de Lima, a propósito de uma nova edição de Poemas negros, por exemplo, Álvaro Lins é contagiante na equação entre clareza e coerência, paixão e emoção. O crítico conta ao leitor que releu os poemas do alagoano olhando para um quadro que este lhe tinha dado como lembrança e que, naquele momento, não sabia se se arrependia de ter sido áspero ao se referir, antes, às múltiplas habilidades artísticas de Lima como um desperdício, “uma preferência pelo horizontal em vez do vertical”. Depois de reproduzir parte do poema, Lins escreve: “Ora, se alguma produção da poesia moderna irá perpetuar-se na literatura, qualquer um de nós pode jogar na certa afirmando que há de ser Essa negra Fulô. Depois dela, outros mágicos e maravilhosos poemas, com o mesmo espírito, o leitor encontrará neste volume [...]; como Xangô, que se diria uma representação não só visual, mas também plástica, dos corpos em delírio numa dança primitiva”.

Nessa e em outras críticas, Álvaro Lins alia elementos que confluem para aquilo que podemos chamar de “instrução e sedução do leitor”: maneja elementos da história da literatura, contextualiza a obra ao presente social, apresenta dados sobre a vida do autor e analisa os trabalhos em questão sem abrir mão da subjetividade e de um tom premonitório. A união desses elementos num texto de crítica hoje é rara, porque são poucos que se expõem ao risco da autoexposição e do erro. 

ADRIANA DÓRIA MATOS, editora-chefe da revista Continente.

veja também

Pesquisa: Teatro para a infância

“Não tive tempo de ser cinéfilo”

“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”