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Como começar a arborizar as pessoas

TEXTO Isabelle Meunier

01 de Setembro de 2013

Foto Hélder Tavares

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 153 | setembro 2013]

Os tradicionais manuais de arborização urbana
descrevem as etapas da arborização urbana bem-sucedida, iniciando-se, evidentemente, pelo planejamento, que prevê a avaliação dos locais dos plantios, a seleção de espécies adequadas, definição dos métodos e técnicas para produção de boas mudas etc. Esses e outros passos são importantíssimos para a implantação e condução de um bom conjunto arbóreo urbano, essencial à sadia qualidade de vida das pessoas. Mesmo constituindo um roteiro lógico e tecnicamente embasado, são poucas as cidades, inclusive capitais, que os seguem.

Sem dúvida, não se pode menosprezar a boa técnica, resultado de pesquisas nacionais e internacionais, após anos de desenvolvimento e avaliações. No entanto, além da técnica e antes de qualquer iniciativa de elaboração de um plano de arborização municipal, a observação da realidade das nossas cidades indica que uma questão precedente parece funcionar como fator limitante poderoso, condicionando a possibilidade de convivência harmoniosa com as árvores.

Não há arborização possível se uma cidade não se prepara para acolher as árvores em suas ruas, praças, jardins e quintais. Se não há o desejo e a convicção da necessidade, não se desenvolvem as ações. Árvores precisam de espaço, de alguns cuidados, reconhecimento e respeito; sem isso, não há projeto bem-intencionado que se concretize na realidade. O planejamento urbano, participativo, inclusivo e corajoso, precede o plano de arborização, e deve acolhê-lo como um serviço urbano essencial – notadamente em cidades tropicais, onde os extremos climáticos se acentuam.

O controle urbano é importante, executado com normas e fiscalização eficientes, e deve estar associado a uma mentalidade coletiva que reconheça a importância das árvores do meio urbano, pelos múltiplos serviços ambientais prestados. Legisladores e gestores precisam estar convencidos dessa importância, e buscar eficácia e inovação nas medidas de conservação, bem como nos mecanismos de incentivo à arborização.

As construtoras, grandes remodeladoras da paisagem urbana, devem compartilhar com os cidadãos o compromisso com o futuro da cidade, e não apenas direcionar suas decisões em função do retorno financeiro no curto prazo. Embora seja difícil imaginar que o compromisso socioambiental possa imperar frente à “lógica do mercado”, pode-se acreditar que os técnicos que dão forma aos seus projetos, e os consumidores que definem esse mercado, desempenhem um papel fundamental nessa mudança de paradigmas.

Para que se dê aceitação das árvores pela cidade, sobretudo os cidadãos precisam desejá-las, acolhê-las, valorizá-las e cuidar da sua conservação. E, em um passo adiante nessa tomada de decisão, vê-las não apenas como um serviço urbano útil, inanimado e substituível, mas como seres vivos, cuja sobrevivência depende de nossas escolhas de natureza ética.

Para termos uma cidade mais arborizada e, assim, mais bonita e acolhedora, com temperaturas mais amenas e ar mais puro, na qual as pessoas caminhem e pedalem à sombra e usufruam de espaços públicos de esporte, lazer e convivência, precisamos, antes de tudo, mudar as pessoas, despertar a consciência por meio da comunicação, da educação e do exemplo. Repetindo Einstein, nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo grau de consciência que o gerou. Nosso grau de consciência precisa mudar, se quisermos um lugar melhor para viver. 

ISABELLE MEUNIER, engenheira florestal e professora da UFRPE.

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