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Cecília entre os leões

TEXTO GILVAN LEMOS
FOTO ROBERTA GUIMARÃES

01 de Novembro de 2011

Foto Roberta Guimarães

Em plena Rua da Aurora. Sileno e o avô. A rua não era a mesma dos quadros de pintores saudosistas. Descaracterizada, diziam. Ou completada por prédios modernos, de muitos andares. Ali, olhe, na esquina com a Conde da Boa Vista. Nas esquinas: com a Riachuelo, a Mário Melo, a do Lima... Danou-se! Iam acabar com os velhos sobrados do Recife. Defronte, um em início de demolição. Que pena? Que pena. Sileno botara na cabeça que as joias de que o avô falava estavam escondidas num sobrado velho. Em qual? Difícil adivinhar. Quem sabe naquele? Na oportunidade, Sileno incentivava o avô, injetava-lhe lembranças.

Sentado na beirada do passeio que desce em curva a Ponte da Boa Vista – oh! Vento carregado de maresia, almiscarado de lama podre, capibarizado de entulhos, deixa-o ouvir! – o velho não dava mostra de entender. O mesmo vento em seus cabelos, o casco da cabeça (Sileno ia dizendo: desdentada), as falripas brancas escasseando, ah!... Sentado na beirada do passeio etc. etc. O velho Nô (…). Se inventasse de fumar agora o vento não permitiria que acendesse seu cigarro clandestino, opositor da filha (minha mãe), cigarro clandestino. E para isso o velho estava ali.

Verdade, o progresso não ia deixar um sobrado em pé. E se num daqueles já derrubados? Se num daqueles que não aqueles últimos daquele trecho desta rua? Se não daqueles da Augusta ou da de Hortas ou da Dias Cardoso ou da do Jardim ou ou ou, que não existem mais, suprimidos que foram para dar lugar à Dantas Barreto? Ó ventos ó tempo ó costumes! Mas mas mas, porém, mas porém: ainda existem muitos sobrados. Na Concórdia, Imperatriz, Nova, Duque de Caxias, Terço, Imperial, Livramento, Direita, Penha, Calçadas... E no Recife velho, quantos? 

ROBERTA GUIMARÃES, fotógrafa.

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