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Catalão: Experiência sensorial

Restaurante El Celler de can Roca frequenta listas de melhores do mundo e surpreende o público a cada garfada

TEXTO Renata do Amaral

01 de Setembro de 2014

Os irmãos Joan, Joseph e Jordi comandam o restaurante que já foi eleito o melhor do mundo

Os irmãos Joan, Joseph e Jordi comandam o restaurante que já foi eleito o melhor do mundo

Foto Divulgação

Cozinha espanhola moderna, para a revista britânica Restaurant. Cozinha criativa, para o guia Michelin. Cozinha de estilo livre, para os três irmãos que comandam El Celler de can Roca. Não é mesmo nada fácil definir qualidades que o levaram ao título de melhor restaurante do mundo em 2013 e segundo melhor em 2014 pela Restaurant, além de ter sido contemplado com três estrelas pelo Michelin desde 2009. Joan, Josep e Jordi Roca afirmam fazer parte da vanguarda criativa, sem renunciar à memória nem ao diálogo com produtores e cientistas. Ainda assim, tantas palavras não chegam nem perto do que acontece naquela casa de Girona, na região da Catalunha, na Espanha.

São necessários 11 meses de antecedência para reservar uma mesa entre aquelas paredes de vidro, cercadas por um extenso jardim. Mantendo sua tradição monossilábica, o Michelin diz apenas que “Esta casa familiar valoriza uma sala triangular, de estética moderna, envidraçada, em torno de um jardim interior e uma adega singular, equipada com diferentes espaços sensoriais. Cozinha criativa de excelente nível, interessante e sugestiva” (sim, dedicam mais linhas para o ambiente do que para a comida). Por mais bonito que seja o espaço para a qual o restaurante se mudou em 2007, não é ele, definitivamente, a atração principal.

El Celler de can Roca foi fundado em 1986 pelos irmãos Joan, 50 anos, e Josep Roca, 48 anos – um, cuidando da cozinha, outro, tomando conta dos vinhos e do salão. O temporão Jordi, 36 anos, veio se juntar a eles em 1998, passando a ser responsável pelas sobremesas. Não era a primeira experiência da família com restaurantes: a casa foi fundada bem ao lado do bar e restaurante Can Roca, dos pais do trio, criado em 1967 e ainda hoje de pé. A hospitalidade familiar se revela também no Celler, em que os estrelados irmãos passam de mesa em mesa para saber se está tudo bem. É surpreendente como os comensais se sentem em casa tão logo cruzam a porta.


Os pratos da casa, como esse cordeiro na brasa, utilizam as novas técnicas espanholas de cozinha. Foto: Divulgação

Na chegada, é oferecido um espumante da casa – que aqui significa feito especialmente para ela pela vinícola. A mesa precisa concordar na escolha dos menus: há o Clássicos (155 euros) e o Festival (190 euros). A escolha comum se deve à duração do jantar, pois enquanto o primeiro termina em uma hora e meia, o segundo demora cerca de três horas. Optamos pelo segundo e fomos atendidas em bom português por uma garçonete simpática, mas nunca invasiva, que explicava os pratos um a um. Muitos eram pensados para ser comidos com a mão, ao contrário do que o senso comum espera de um local tão requintado. Foram 14 etapas, sem contar as várias entradas, seguidas por um café no jardim.

O menu é uma amostragem de tudo que você já ouviu falar sobre as técnicas culinárias da nova cozinha espanhola, porém, o sabor dos ingredientes se sobrepõe a qualquer malabarismo. As surpresas se multiplicam. Um delicado consomê primaveril (consomê vegetal à baixa temperatura com brotos, flores, folhas e frutas). Uma inesperada salada de anêmona, concha navalha, pepino do mar e algas escabechadas. Sabores do mar e da montanha na sardinha com papada de porco, caldo das espinhas na brasa, molho de leitão e azeite de cerefólio. Quase etéreo, mas de gosto pungente, é o sorbet de aspargos brancos e trufa. O lagostim vem ao vapor do vinho Palo Cortado com caramelo de xerez.

As sobremesas são uma atração à parte. Mais surpresas na salada verde (e doce) de ervilhas, alcaçuz e funcho. A brincadeira fica por conta do sorvete de massa-mãe com polpa de cacau, lichias salteadas e macaron de vinagre de xerez. “Vocês vão provar uma sobremesa viva”, diz a garçonete. Por causa da fermentação, a massa sobe e desce. A Anarkia de Chocolate traz o doce em mais de 10 versões, intensidades e texturas. O carrinho de petit-fours que acompanha o café ou o chá (a carta de chás é quase tão extensa quanto a de vinhos) traz mais chocolates, macarons e até jujubas artesanais, mas tudo elevado a outro patamar, desconstruindo tudo que já se viu. Uma experiência que vale cada centavo. 

RENATA DO AMARAL, jornalista e doutoranda em Comunicação pela UFPE.

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