Segundo o artista, a beleza estética de seus trabalhos é o meio pelo qual atrai o espectador para uma observação mais próxima, pela qual busca instigar reflexões. Fica fácil perceber esse artifício nas fotografias Corte de floreo, série de lâminas que se assemelham a belíssimos desenhos botânicos – vistos a distância. Ao se aproximar, o espectador perceberá que se trata de ossos humanos.
O vídeo Guerra y pá, por sua vez, faz referência direta ao conflito de mais de 50 anos na Colômbia, período durante o qual foram firmados diversos acordos de paz que não tiveram qualquer resultado concreto. “As palavras guerra e paz foram repetidas incansáveis vezes, tanto que elas ficaram desgastadas e perderam a transcendência de seu significado”, diz.
Pensando em mostrar o quão banal esses termos haviam se tornado, Echavarría resolveu pedir a um amigo que treinasse dois papagaios. Um deveria aprender a falar “guerra” e, o outro, “paz”. Depois de oito meses, quando voltou para pegar seus animais, percebeu um pequeno problema: como seu amigo vivia no Caribe colombiano e lá as pessoas não pronunciam o som do “s” em palavras como paz, ele tinha um dos animais falando apenas “pá”. “Durante o complicado processo de edição, preferi manter a pronúncia do papagaio, pois achei que ela poderia representar como a paz é um processo incompleto”, detalha.
Os reflexos da guerra ficam claros nos trabalhos de colombianos que já não vivem no país. É o caso de Fernando Arias, com obras que expressam sua preocupação com o narcotráfico. Em Lego coffin, ele monta um caixão nas cores da bandeira nacional com peças de Lego, propondo uma reflexão sobre infância e droga na Colômbia. Na exibição da Casa Daros, a obra é apresentada no hall, antecipando ao público, de alguma forma, o tom daquilo que vai encontrar internamente.
O Lego também é matéria-prima para Nadín Ospina. Porém, agora, numa investigação mais arqueológica e antropológica. O artista observou que, numa série do brinquedo, chamada Lego Adventure (em que se cria peças identificadas com determinados cenários regionais), quando se trata da América Latina, há muitos elementos estereotipados e preconceituosos. Ele se apropriou desses elementos e os tornou ainda mais fortes.
Brinquedo é matéria-prima para Fernado Arias discutir a infância num país marcado pelo tráfico de drogas. Foto: Reprodução
Nadín busca inspiração ainda na arte pré-colombiana, bastante simbólica para a identidade nacional. O artista compra peças falsas do período e aplica nelas a cabeça de Mickey, Pateta, dos Simpsons, tentando mostrar que esse vínculo identitário com o passado é permeado por outros, talvez mais próximos hoje. “A classe alta colombiana quer ser francesa, a média, norte-americana; as pessoas da classe popular querem ser mexicanas, mas ninguém quer ser colombiano. Todos queremos simular um outro”, resume Nadín.
Os questionamentos lançados pelo artista José Alejandro Restrepo também têm como base a história de seu país. A sua Musa paradisiaca consegue sintetizar parte dos aspectos que lhe interessam. Em suas pesquisas, Restrepo deparou-se com uma gravura, com título homônimo à sua obra, em que aparece uma mulata sentada sob uma bananeira. A musa do título é uma referência às bananas, que foram classificadas pelo naturalista sueco Lineu com o nome de musa paradisiaca. A fruta foi o pivô de muitas disputas na Colômbia, no início do século 20, que expressavam o imperialismo do período. Pensando sobre esse passado recente, sobre as disputas atuais e sobre a imagem de uma república das bananas, o artista compôs sua instalação.
CASA DAROS
No início dos anos 2000, a arte contemporânea latino-americana ainda era pouco conhecida nos principais circuitos artísticos mundiais. Com o intuito de revelar a força dessa produção, o curador Hans-Michael Herzog se juntou a Ruth Schmidheiny, financiadora do projeto, para criar a Coleção Daros Latino-americana.
Ele viajou por vários países, em busca de artistas que pudessem compor esse acervo, que hoje possui mais de 1.100 obras de mais de 100 artistas, e já deu origem a várias mostras. “Embora tenhamos planejado a coleção de forma sistemática, não buscamos uma completude enciclopédica. Para nós, é importante que ela seja composta por obras que não representem simplesmente a arte pela arte, mas que possam ser vistas em vários níveis; obras que não tenham somente relevância estética, mas também social”, explica o curador.
Além de formar a coleção, desde o início, havia a pretensão de ter um espaço na América Latina que pudesse abrigar as mostras e ampliar o diálogo dentro do próprio continente. O lugar escolhido foi o Rio de Janeiro, especificadamente um palacete do século 19, no Bairro de Botafogo. Depois de mais de seis anos em reforma, o espaço começou a funcionar no fim de março, contando com um interessante projeto educativo, capitaneado pelo cubano Eugenio Valdés Figueroa, biblioteca, auditório e restaurante. Segundo Isabella Nunes Rosado, diretora da instituição, a própria escolha do termo casa para batizar o espaço já deixa claro o objetivo de fazer desse ambiente um lugar habitado e de diálogo.
MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.