Uma linha de conhecimento à qual o tarô está ligado é o campo do autoconhecimento psicanalítico. Devido ao elevado grau de simbolismo dos arcanos maiores, esse conjunto de cartas foi alvo de estudo do importante investigador da psicanálise do século 20, Carl Jung. Para ele, o tarô é um dos mais poderosos instrumentos de acesso e compreensão do inconsciente humano. Todas as experiências do homem estariam de certa forma condensadas em seus arcanos maiores, funcionando como arquétipos do mundo ocidental. Tarólogos e terapeutas holísticos são os profissionais que facilitam processos de autoconhecimento a partir do tarô. As cartas são compreendidas por eles numa concepção ligada à psi, ao inconsciente coletivo e à sincronicidade.
"Com os arcanos, o cliente encontra tradução para o que sente", diz o arteterapeuta Ivan Ferreira. Foto: Gabriel Melo/Divulgação
“O tarólogo, na perspectiva junguiana, não interpreta os símbolos, utiliza os arcanos maiores enquanto força catalisadora, para que o próprio cliente descubra em que rede de símbolos o inconsciente encontra espaço através das lâminas para se apresentar. É uma técnica que se torna uma chave importante, quando bem-utilizada. Muitas vezes, o cliente chega ao atendimento sem conseguir falar uma palavra e é com os arcanos que encontra a tradução para como está se sentindo”, explica o arteterapeuta Ivan Ferreira, que há três anos realiza atendimentos individuais e em grupos facilitados pelo tarô.
Articulador do portal Clube do Tarô, referência na área de linguagens simbólicas, Constantino Riemma chama a atenção para o tarô aplicado na cartomancia popular, prática desenvolvida de maneira sensitiva pelas avós, tias, benzedeiras e parteiras para a percepção do outro na convivência diária entre grupos sociais restritos. “Quando penso nas pequenas comunidades que eu frequentava quando criança, a cartomancia era um recurso utilizado por aquelas mulheres para transmitir experiência e aconselhar sem nenhuma manipulação. Porém, essa prática foi apropriada por mal-intencionados. Isso não quer dizer que todo mundo que mexa com o tarô nessa linha seja maldoso. Mas muitos passaram a explorar essa prática comercialmente, de forma desonesta, depois que a lei que proibia a cartomancia foi revogada, pois deixou de existir qualquer restrição.”
Riemma acredita que muito da propaganda enganosa existente se deve também a uma forte demanda popular por previsões. “Existe uma necessidade humana sobre o que vai acontecer em nossas vidas, o que o futuro nos reserva. Só que o indivíduo precisa refletir sobre o profissional mais adequado a quem deve recorrer, se um psicólogo, um cartomante, um orientador espiritual ou qualquer outro.”
Assim como toda arte humana que integra diferentes níveis de aplicação e conhecimento, como o racional, o sensível e o prático, a arte divinatória do tarô está longe do consenso. “Ele vem de uma informalidade meio subterrânea, malvista. Ao mesmo tempo, é extremamente rico”, observa Riemma. “As cartas do tarô, quer sejam encaradas como ferramentas para predição do futuro, quer sejam usadas como instrumento lúdico ou ainda como forma de autoconhecimento psicanalítico, contam uma história simbólica pela imagem”, define Carlos Santa Rosa, em sua pesquisa Cartas marcadas – Multimodalidade discursiva e transitividade em baralhos de tarô.
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