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Cartas na mesa para o jogo da previsão

O baralho com fins divinatórios encontrou mais respeitado uso no campo da interpretação de símbolos arquetípicos

TEXTO Marina Suassuna

01 de Janeiro de 2016

O tarô de Marselha, baralho do século 15, mantém-se popular entre tarólogos

O tarô de Marselha, baralho do século 15, mantém-se popular entre tarólogos

Imagem Reprodução

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 181 | jan 2016]

Cerca de 60 anos após as primeiras referências às cartas de jogar na Europa, os europeus do norte da Itália adicionaram ao baralho comum 22 lâminas, que traziam iconografia típica da época, com imagens que representavam arquétipos naturais e humanos, como a Justiça, a Força, o Sol, a Lua, o Imperador, o Louco, a Sacerdotisa. Ao grupo de cartas figurativas deu-se o nome de arcanos maiores, principal diferencial do baralho divinatório conhecido como tarô. O mais antigo dos tarôs em uso é o de Marselha, tido como o mais popular de todos desde o século 15, portanto, um baralho clássico. Totalizando 78 cartas, o Tarô de Marselha é dividido em dois grupos. Além dos arcanos maiores, há o conjunto dos arcanos menores, um total de 56.

A partir do século 18, os arcanos maiores passaram a ser vistos como cartas emblemáticas, dotadas de saberes ocultos que representavam situações e virtudes. A compreensão metafísica dessas lâminas transformou-as em instrumentos de leitura de sorte e previsão do futuro, utilização que se tornou extensiva a partir do cartomante francês Jean-Baptiste Alliette, que se autodenominou Etteilla, pseudônimo escrito propositalmente ao contrário. Com ele, o tarô passou a integrar o cerne do esoterismo moderno, assim como a cabala, a astrologia e a alquimia medieval.

Importante como instrumento de uma série de jogos, o baralho de tarô, segundo estudiosos, poderia ter adquirido mais prestígio com seus jogos do que o pôquer e o bridge, não fosse a falta de conhecimento a seu respeito em países como Inglaterra e Espanha, que poderiam ter feito sua difusão nas colônias. Com exceção das Ilhas Britânicas e da Espanha, em todos os países europeus os jogos com tarô ainda são extensivamente praticados. Na cidade de Viena, na Áustria, por exemplo, é comum encontrar sob a mesa dos cafés populares, ou até mesmo pedir ao garçom, maços de tarô para se jogar com amigos. Na França, há uma federação de tarô, que regulamenta e promove competições desse jogo em todo o país. “Nós aqui, no Brasil, somos a região na qual o tarô chegou mais como oculto. Nossos jogos mais tradicionais e populares com baralhos, como buraco, truco, caxeta, sueca, entre outros, utilizam baralhos normais, sem os trunfos que caracterizam os tarôs”, explica o pesquisador Cláudio Décourt (leia entrevista com ele a seguir).

ARCANOS E O INCONSCIENTE
Uma linha de conhecimento à qual o tarô está ligado é o campo do autoconhecimento psicanalítico. Devido ao elevado grau de simbolismo dos arcanos maiores, esse conjunto de cartas foi alvo de estudo do importante investigador da psicanálise do século 20, Carl Jung. Para ele, o tarô é um dos mais poderosos instrumentos de acesso e compreensão do inconsciente humano. Todas as experiências do homem estariam de certa forma condensadas em seus arcanos maiores, funcionando como arquétipos do mundo ocidental. Tarólogos e terapeutas holísticos são os profissionais que facilitam processos de autoconhecimento a partir do tarô. As cartas são compreendidas por eles numa concepção ligada à psi, ao inconsciente coletivo e à sincronicidade.


"Com os arcanos, o cliente encontra tradução para o que sente", diz o arteterapeuta Ivan Ferreira. Foto: Gabriel Melo/Divulgação

“O tarólogo, na perspectiva junguiana, não interpreta os símbolos, utiliza os arcanos maiores enquanto força catalisadora, para que o próprio cliente descubra em que rede de símbolos o inconsciente encontra espaço através das lâminas para se apresentar. É uma técnica que se torna uma chave importante, quando bem-utilizada. Muitas vezes, o cliente chega ao atendimento sem conseguir falar uma palavra e é com os arcanos que encontra a tradução para como está se sentindo”, explica o arteterapeuta Ivan Ferreira, que há três anos realiza atendimentos individuais e em grupos facilitados pelo tarô.

Articulador do portal Clube do Tarô, referência na área de linguagens simbólicas, Constantino Riemma chama a atenção para o tarô aplicado na cartomancia popular, prática desenvolvida de maneira sensitiva pelas avós, tias, benzedeiras e parteiras para a percepção do outro na convivência diária entre grupos sociais restritos. “Quando penso nas pequenas comunidades que eu frequentava quando criança, a cartomancia era um recurso utilizado por aquelas mulheres para transmitir experiência e aconselhar sem nenhuma manipulação. Porém, essa prática foi apropriada por mal-intencionados. Isso não quer dizer que todo mundo que mexa com o tarô nessa linha seja maldoso. Mas muitos passaram a explorar essa prática comercialmente, de forma desonesta, depois que a lei que proibia a cartomancia foi revogada, pois deixou de existir qualquer restrição.”

Riemma acredita que muito da propaganda enganosa existente se deve também a uma forte demanda popular por previsões. “Existe uma necessidade humana sobre o que vai acontecer em nossas vidas, o que o futuro nos reserva. Só que o indivíduo precisa refletir sobre o profissional mais adequado a quem deve recorrer, se um psicólogo, um cartomante, um orientador espiritual ou qualquer outro.”

Assim como toda arte humana que integra diferentes níveis de aplicação e conhecimento, como o racional, o sensível e o prático, a arte divinatória do tarô está longe do consenso. “Ele vem de uma informalidade meio subterrânea, malvista. Ao mesmo tempo, é extremamente rico”, observa Riemma. “As cartas do tarô, quer sejam encaradas como ferramentas para predição do futuro, quer sejam usadas como instrumento lúdico ou ainda como forma de autoconhecimento psicanalítico, contam uma história simbólica pela imagem”, define Carlos Santa Rosa, em sua pesquisa Cartas marcadas – Multimodalidade discursiva e transitividade em baralhos de tarô. 

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