CONTINENTE Em algum momento da história a associação entre mágica e trapaça comprometeu o prestígio e a credibilidade da cartomagia?
CLÁUDIO DÉCOURT De fato, essa é uma questão delicada. Mas a troca de técnicas e informações é um fato. Na minha visão, não há nenhum comprometimento aos mágicos, porque estamos falando de métodos, não de objetivos. Os objetivos dos mágicos e dos trapaceiros com cartas são muito distintos. O primeiro leva diversão, divertimento às pessoas; o segundo usa de artifícios para ter vantagens fraudulentas em jogos. O primeiro tem uma atividade digna. O segundo, não. Assim, embora sejam utilizados métodos muito semelhantes nas duas, parece-me que o julgamento moral que poderíamos fazer delas é muito diferente. Uma comparação que me ocorre se relaciona com a tecnologia aeronáutica, por exemplo. Muito da tecnologia militar, que sempre pode ser criticada por seus efeitos nefastos, é aplicada no desenvolvimento de aviões civis, usados no transporte de pessoas, na assistência médica e social em lugares de difícil acesso, enfim, em várias atividades nobres. A tecnologia de produção é a mesma, mas os objetivos de utilização são diametralmente opostos. Parece-me difícil distinguir algo que seja puramente politicamente correto em todos os seus aspectos. Sempre algo bom pode ser usado para o mal. Ou vice-versa, como no caso de magia e trapaça. A origem foi a trapaça, mas as mesmas técnicas acabaram criando um tipo de divertimento que traz alegria às pessoas. A visão genérica de que o mágico pode ser um trapaceiro é usada em alguns casos. Há, por exemplo, filmes classe B nos quais o mágico é o bandido ou assassino. Mas outros tipos de personagens também personificam bandidos e assassinos. Sempre algo intrinsecamente bom pode ser usado para o mal ou como imagem dele. Mágicos não são exceções.
CONTINENTE Como identificar se um baralho é apropriado para a mágica?
CLÁUDIO DÉCOURT Mágicos utilizam baralhos comuns, comprados em qualquer loja e usados para jogos. Como característica principal, é importante que sejam de boa qualidade, com cartas não transparentes, bom deslizamento, espessura adequada, identificação de valores de fácil distinção, bem-impressas, com dorsos bem-centralizados, armazenados em estojos também de boa qualidade, além de outros detalhes de fabricação. Atualmente, o baralho mais popular usado por mágicos em todo o mundo é da marca Bicycle, criada no final do século 19 e fabricada até hoje pela United States Playing Card Co., um dos maiores fabricantes de baralhos do mundo. O dorso conhecido como Rider Back, mostrando anjos em bicicletas é a marca registrada de praticamente todo mágico contemporâneo especializado em baralhos. Vários fabricantes e editores de baralhos têm tentado, ainda sem sucesso, substituir o famoso Bicycle Rider Back por suas marcas tradicionais. No entanto, na prática, a maioria dessas outras marcas pode ser utilizada sem problemas e com absoluto sucesso em números de mágica.
CONTINENTE O que leva as pessoas leigas a confundirem mágica com tarô? Como elas podem diferenciá-los?
CLÁUDIO DÉCOURT A prática de leitura de sorte e outras aplicações esotéricas do tarô, que poderiam ser associadas à mágica em seu sentido místico, nada tem a ver com a mágica como arte de espetáculo, baseadas em artifícios, artimanhas e subterfúgios usados habilmente com o objetivo exclusivo de criarem em seus espectadores a ilusão de se fazer coisas impossíveis. Trata-se aqui de uma ilusão, embora existam alguns poucos mágicos que utilizam baralhos do tipo tarô para suas apresentações. Mas isso é muito raro.
MARINA SUASSUNA, jornalista com especialização em Estudos Cinematográficos. Foi repórter de cultura da FPE, escreve para Outros críticos.
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