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Breve ideia de nacionalidade

Exposição 'Vestígios de brasilidade' compila conceitos de identidade brasileira na obra de artistas de várias gerações

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Junho de 2011

'Sonho de prostituta', obra de Cícero Dias, compõe o eixo dedicado à preguiça

'Sonho de prostituta', obra de Cícero Dias, compõe o eixo dedicado à preguiça

Imagem Divulgação

Como definir a identidade brasileira? Estaria ela bem-representada no Carnaval, no futebol, no samba e na malandragem? Falar disso, em tempos pós-modernos, como nos garante Stuart Hall, é discorrer sobre uma situação indefinida, difusa, híbrida. Para o pesquisador, o sujeito pós-moderno é formado não por uma única identidade, mas por várias, muitas vezes contraditórias entre si. Torna-se difícil apontar um núcleo, seja ele de raça, de gênero, de nacionalidade.

Essa nova condição identitária está exposta em vários eixos da vida, inclusive na arte. Enquanto o nacionalismo modernista acreditava ser possível criar representações daquilo que seria a “real” essência brasileira, os artistas contemporâneos parecem acreditar na inexistência de uma brasilidade a priori; creem que o propriamente brasileiro é um conceito, uma construção. Percorrendo essas reflexões, o curador Marcelo Campos concebeu a mostra Vestígios de brasilidade, em cartaz no Santander Cultural até 31 de julho.

No título, já começa a se desenhar a proposta curatorial, cuja ideia é mostrar como a busca por uma essência brasileira não é mais um ponto central no mundo da arte. Como escreve o curador, a “valorização de elementos nacionais, constituintes de um determinado contexto social, é a projeção de vestígios de brasilidade construídos ao longo do tempo e que se tornaram recorrentes na criação artística”. Ele reuniu 57 obras de 42 artistas, fragmentos poéticos que relembram o país, sem se fecharem em “símbolos unívocos”. A curadoria aposta em situações poéticas que possam mostrar um Brasil tocado pela criação artística. São sete eixos temáticos, ou “vestígios”: Quarta-feira de cinzas; Fetichismo; Vento; Preguiça; Sortilégios; Geometria e Casa.

Os restos de serpentina, confetes, fantasias e instrumentos musicais próprios do Carnaval são apropriados e ressignificados pelos artistas, seja de forma melancólica, como no filme de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, ou como alegoria, no vídeo em que formigas carregam confetes, de Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães. Na segunda etapa, temos as representações de objetos de culto aos quais se atribuem poderes de magia. Nela, aparecem as armas e os animais silvestres apreendidos nas fotografias de Bob Wolfenson e a polêmica em torno da intervenção urbana de Alexandre Vogler, que realizou um site specifc em Nova Iguaçu (RJ), com o desenho em grande dimensão de um tridente em um terreno próximo a uma cruz, provocando reações da população local e da imprensa. No eixo dedicado aos sortilégios, destaca-se o culto religioso, tão diverso no país. Para simbolizar tal hibridismo, a obra de Nelson Leirner Missa móvel, skate é imbatível.


Em Missa móvel, skate, o artista Nelson Leirner trabalha a diversidade de crenças religiosas do Brasil. Imagem: Divulgação

Quebrando a assepsia do ambiente, Carybé, Rosângela Rennó, Brígida Baltar e o coletivo Chelpa Ferro trazem o vento, evocando Iansã, as memórias da infância ou os mitos da literatura de Guimarães Rosa. A preguiça, qualidade ou defeito do personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, é recuperada numa aquarela de Cícero Dias, numa escultura malemolente de Ernesto Neto, e nas fotografias de homens cochilando, de Pierre Verger.

A questão geométrica, que marcou a passagem do modernismo para a contemporaneidade, é trabalhada através das heranças do construtivismo e do popular, expostas em trabalhos de Volpi, Roberto Lúcio ou Delson Uchôa. “Figurativo ou abstrato? A pergunta permanece frutificando-se em exemplos como os azulejos de Adriana Varejão”, pontua o curador.

Fechando a mostra, a ideia de privacidade se manifesta no eixo Casa. “Até que ponto o artista encontra sua subjetividade ao expor sentimentos em formas, proposições materiais ou desmaterializadas?”, pergunta-se Marcelo Campos. A resposta virá nas obras de Efrain Almeida, Farnese de Andrade, José Rufino e Alberto da Veiga Guignard, que expressam seus afetos.

Essa diversidade de obras, lado a lado, gera variações de leitura e propõe múltiplas identidades. Enquanto algumas trazem elementos ligados à questão da identidade brasileira, como o uso das cores azul, verde e amarelo, ou da bandeira nacional, a maioria não tem sequer um elemento que aponte para o Brasil. Mesmo assim, ao sair da exposição, os brasileiros se sentirão ali refletidos. Trata-se de uma oportunidade para que sejam discutidas as questões identitárias e os estereótipos construídos a partir delas. 

MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.

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