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Bonecos: Quem disse que é só mamulengo?

Em sua terceira edição no Recife, o Festival Sesi Bonecos do Mundo pretende trazer ao público variada gama de representantes do gênero

TEXTO Duda Gueiros

01 de Novembro de 2012

Fernán Cardama, da Argentina, é um dos convidados internacionais

Fernán Cardama, da Argentina, é um dos convidados internacionais

Foto Divulgação

Talvez as primeiras manifestações, rudimentares, do que viria a ser o teatro de bonecos tenham ocorrido na penumbra das cavernas, quando indivíduos iluminados pelo fogo projetavam suas sombras e de objetos nas paredes, coordenando esses gestos com a emissão de vozes e ruídos. A combinação desses três elementos – luzes, gestos e sons – gerava uma forma de entretenimento. Não há um consenso sobre a justeza dessa matriz ancestral, mas a história desse gênero teatral é tão remota quanto a do teatro tradicional – o de pessoas.

Sua origem remonta ao Antigo Oriente, sendo registradas ocorrências em países como China, Índia, Indonésia e Egito. No Ocidente, na Europa, apareceu há cerca de 3 mil anos, quando os bonecos eram usados como um tipo alternativo de comunicar, educar e também de burlar a censura. Em cada época histórica e contexto social, as marionetes eram usadas com um propósito específico. Na Idade Média, os bonecos eram utilizados como instrumento de catequese; na Grécia, serviam para zombar do cristianismo.

Hoje, o teatro de bonecos é praticado, sobretudo, com dois intuitos: o de educar crianças que, no caso, aprendem de forma lúdica, e o de divertir, aqui, atingindo todas as faixas etárias. Ele é praticado em todo o mundo, assumindo fisionomia e espírito dramático diferentes, dependendo da localização geográfica, tradições, crenças e costumes.

Neste mês de novembro, o público poderá apreciar criações do gênero, concentradas num grande festival, cuja pretensão é a de preservar a relevância histórica e o caráter lúdico dessa expressão teatral. Em sua terceira edição, o Sesi Bonecos do Mundo traz ao Recife 14 espetáculos, encenados por 13 companhias nacionais e internacionais, de países como Japão, Coreia, Itália, Argentina, Inglaterra e Rússia. Além das montagens, integram a programação a exposição de bonecos Autômatos, a performance Torres andantes (ambas do grupo mineiro Giramundo) e o show Música de brinquedo, da banda Pato Fu, que toca instrumentos do universo infantil ao lado do Giramundo. Ao todo, serão 27 apresentações, distribuídas em cinco dias de festival.

O evento é gratuito e acontecerá no Teatro de Santa Isabel (entre os dias 7 e 9) e no Parque Treze de Maio (nos dias 10 e 11). Os espetáculos de médio e grande porte irão ao palco do teatro, enquanto as apresentações menores, dos mestres mamulengueiros, e as exposições, acontecerão no parque.

O projeto, que está em sua nona edição no Brasil, passou por todas as capitais do país. “O principal objetivo do Festival Sesi Bonecos do Mundo é oferecer um tipo de manifestação artística, cuja forma mais sofisticada é unicamente exercida dentro de casas fechadas e pagas. Também pretendemos quebrar o paradigma de que teatro de marionetes é feito apenas para crianças”, afirma a idealizadora do projeto, Lina Rosa. Ela também espera desconstruir o senso comum de que teatro de bonecos se reduz ao mamulengo. Para isso, convidou companhias de diferentes vertentes, como as que utilizam em suas apresentações sombras, fios e corpos. A curadoria do festival selecionou, então, os espetáculos com base nos critérios de diversificação e complexidade.

Entre os destaques da programação está o espetáculo russo Circo dos fios. Criada pelo mestre de marionetes na Rússia, Victor Antonov, a encenação mostra um pequeno circo em que um palhaço apresenta diversos números: uma bailarina hindu, o halterofilista, macacos acrobatas, um camelo diferente. A companhia Kakashi-za é a primeira equipe japonesa de teatro de sombras moderna, o que já lhe confere um especial interesse. Ela apresenta o espetáculo Sombras de mão, em que projeções de animais contam uma história de amor.


Em Marina, Sereia é um dos personagens do espetáculo montado pelo grupo Pequod (RJ). Imagem: Divulgação

A lista de participantes inclui, além dos já mencionados, os brasileiros Pequod (RJ), Pia Fraus (SP), Casa Volante (MG), Gente Falante e Caixa do Elefante (ambos do RS) e Mão Molenga (PE), e os internacionais Art Stage San (Coreia), Girovago e Rondella (Itália), Fernán Cardama (Argentina) e Storybox Theatre (Inglaterra). O festival também contará com um ateliê em que os mestres mamulengueiros pernambucanos Zé Di Vina, Saúba, Zé Lopes, Waldeck de Garanhuns e Tonho de Pombos e Chico Simões (DF) se apresentarão e ensinarão como fazer bonecos.

Sesi Bonecos do Mundo também vai promover três oficinas gratuitas. Uma delas, voltada para profissionais da área de audiovisual e teatro e estudantes, trabalhará o stop motion; outra, sobre o teatro de bonecos de modo geral, será ministrada pelo russo Victor Antonov; e a terceira, sobre contadores de histórias, será ministrada por Marcos Ribas.

PRESEPADA
O primeiro registro de teatro de bonecos no Brasil foi uma iniciativa do Padre Anchieta, e tinha fins de catequese indígena. Ele usava o presépio para “educar” religiosamente as tribos. Da contestação a esse tipo de encenação, surgiu, anos depois, em Olinda, o termo presepada, significando reação, personificada no teatro de mamulengos. Não é à toa, portanto, que, quando se fala em espetáculo de marionetes ou bonecos no Nordeste, mais especificamente em Pernambuco, a ideia do mamulengo é a primeira que surge. O personagem se tornou parte importante da cultura popular local, representando a resistência à opressão e o divertimento adulto, com alusões ao grotesco e ao maravilhoso.

É ainda possível encontrar, no interior de Pernambuco, mestres mamulengueiros que passam 12 horas seguidas brincando em praças públicas. Espetáculos de tal fôlego começam à tarde, em tom mais ameno, “liberados” para crianças e público mais inocente, ganhando temperatura e licenciosidade à medida que anoitece e as crianças deixam a plateia. Com a presença de mestres tradicionais de Pernambuco, que dominam esse tipo de encenação, como Zé Lopes e Zé Di Vina, o festival espera incorporar essas gradações do inocente ao picante (muitas delas de improviso) e uma maior duração dos espetáculos de praça, porém com o respeito aos limites do público. 

DUDA GUEIROS, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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