O músico baiano, no entanto, ressalva que a Bienal, por sua duração e restrição geográfica limitada à cidade do Rio de Janeiro, não traduz a existência de uma política cultural voltada para a área da criação musical erudita. Ele sugere que o repertório contemporâneo seja trabalhado continuamente: “Esse dinheiro poderia ser aplicado, por exemplo, no financiamento de ensembles (grupos de câmara) dedicados a esse tipo de repertório ao redor do país e à consequente encomenda periódica de obras”.
Com efeito, conjuntos de câmara que trabalham junto a compositores, executando obras especialmente criadas por eles, têm-se mostrado eficientes na difusão da música contemporânea – ainda que presentes em poucas capitais do país, como Salvador e João Pessoa. No Rio de Janeiro, um caso se destaca pela mobilização dos próprios autores, que resgataram uma prática hoje comum em outras artes, mas rara na música de concerto: a formação de um coletivo, tal qual o Les Six, na Paris dos anos 1920.
Para o músico Sergio Roberto de Oliveira, o evento deveria focar mais os artistas e não as obras. Foto: Divulgação
O Prelúdio 21, por exemplo, originou-se em 1998, com Alexandre Schubert, Caio Senna, Heber Schünemann, J. Orlando Alves, Marcos Lucas, Neder Nassaro e Sergio Roberto de Oliveira. Sergio, cuja Suíte para cordas havia sido apresentada na BMBC de 1997, explica como nasceu a ideia do coletivo: “Aquela Bienal foi importantíssima para mim e minha geração. Se, por um lado, foi a afirmação dessa geração como ‘compositores de verdade’, foi também o reconhecimento de que aquele tipo de mostra era pontual e limitado. Falei para os meus colegas: ‘Não quero esperar mais um ano para ter uma obra tocada. Temos que tomar as rédeas de nossas carreiras’. A partir daí, J. Orlando Alves nos organizou”.
Sergio Roberto discorda do formato da mostra, para a qual não foi selecionado este ano, e acredita que a programação precisaria ser menos focada nas obras: “A Bienal deveria ser ‘vendida’ como o grande evento nacional da música contemporânea brasileira. Eles até tentam dizer isso, mas acaba sendo um evento artificial. Ao invés de você focar os artistas, foca as obras. A obra é efêmera e não atrai público; o artista atrai. Não aceito mais o argumento de que é música de difícil consumo. O Prelúdio 21 tem uma média de público crescente, apoiada principalmente em não músicos”.
Sobre a realização de concertos em outras capitais, Flavio Silva, coordenador da BMBC desde 2001, comenta que um eventual deslocamento de intérpretes para fora do Rio de Janeiro demandaria recursos não disponíveis e implicaria articulações prévias – e de retorno incerto – com estados e municípios para dirimir gastos. O musicólogo, que também exerce a coordenação de música erudita da Funarte, justifica que o evento dispõe de baixo orçamento para publicidade, cobra valores mínimos para ingresso (dois reais) e não tem frequência plena, porque dedicado à música erudita de compositores nacionais, com pouco ou nenhum renome perante o grande público.
Na condição de intérprete, o violonista Jorge Santos, que produz concertos de música contemporânea no Rio de Janeiro, defende o equilíbrio entre o cânone e o repertório hodierno na atividade do intérprete. Acerca dos canônicos, ele reforça: “A música de concerto é vista como um grande museu vivo e as orquestras são o símbolo maior desta imagem. A resistência a obras atuais passa por diversos fatores, como a formação básica do músico, que não inclui elementos sonoros que fazem parte do universo musical do século 20 e 21; a continuidade do discurso romântico, que predomina e prevalece no universo artístico; e, principalmente, a questão comercial”.
Para Jorge, esse terceiro fator pesa contra a inserção da música atual, porque parte significativa dos produtores evita assumir o risco de incluir nomes “desconhecidos” em um concerto. O músico recifense, porém, argumenta: “Ao contrário do público tradicional, que se apega ao cânone de maneira, até mesmo, fetichista, essa plateia imensa que está surgindo não tem preconceitos, pois, para ela, Brahms e Berio não estão tão distantes como querem fazer crer os tradicionalistas. Falta aos criadores e produtores da música contemporânea saber dialogar com o público atual”.
Tal distanciamento dos ouvintes é igualmente rechaçado por Flavio Silva, que rejeita análises reducionistas e soluções prontas, quando se fala no quadro vigente da música erudita no país: “Há uma propaganda insidiosa que pretende associar música erudita a elitismos. Não serão ações voluntaristas que mudarão um quadro pouco favorável à música erudita brasileira, mas uma modificação gradual na formação cultural da população”.
No que tange à Bienal, o musicólogo observa que os critérios aplicados no evento procuraram ser os menos problemáticos possíveis: “Como servidor de órgão público, não tenho o direito de escolher qual compositor participará; não vejo outra saída a não ser o concurso. Não escolho quem receberá encomenda, pois para isso preciso de algum critério com objetividade. E não opto por essa ou aquela concepção de contemporaneidade, nem aceito que qualquer servidor público assim o faça. Num órgão privado, todas essas situações são diferentes”.
A BMBC 2011 acontecerá de 10 a 19 de outubro e, novamente, não terá representantes de Pernambuco. Paralela às 10 noites de concertos, a coordenação do evento programará três encontros na sede da Academia Brasileira de Música, com os compositores selecionados para discutir o formato das próximas edições. O ouvinte poderá conferir todo o acervo das edições da bienal na internet: mais de mil obras, cuja divulgação era reivindicada por compositores e intérpretes, estão sendo liberadas pela Funarte, após orientações legais e acordos com músicos.
Para os que desconhecem a música erudita contemporânea que circula por eventos como esse, um bom motivo para ouvi-la é dado por Sergio Roberto de Oliveira: “A música contemporânea é exclusiva e nova, mas devemos mostrar que ela não é um bicho de sete cabeças. Que é um pouco diferente, sim, mas ninguém gosta de cerveja no primeiro gole, ou de sushi na primeira mordida. É necessário se habituar e deixar que os novos sabores e sons façam parte de sua vida”.
CARLOS EDUARDO AMARAL, mestre em Comunicação Social pela UFPE e crítico de música clássica.