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Bienal: Um novo formato já sujeito a mudanças

Evento idealizado na década de 1970 passa a premiar compositores selecionados e reacende o debate sobre o espaço da música erudita nos dias atuais

TEXTO Carlos Eduardo Amaral

01 de Outubro de 2011

Nesta edição, serão executadas 78 obras em 11 concertos

Nesta edição, serão executadas 78 obras em 11 concertos

Foto Divulgação

No lado oposto ao das badaladas bienais de literatura que acontecem por todo o país – em que editoras, autores consagrados e emergentes garantem constante cobertura da imprensa e ampla visitação do público – a Bienal de Música Brasileira Contemporânea (BMBC), realizada desde 1975 no Rio de Janeiro, não nasceu com o intuito de dar visibilidade a intérpretes e compositores aclamados ou a editoras de partituras e livros do ramo (por sinal, um nicho a ser explorado, nem que seja nas próprias bienais literárias).

O propósito era retomar o sucesso dos Festivais de Música da Guanabara de 1969 e 1970, que, por sua vez, procuraram se inspirar nos festivais de música popular dos anos anteriores e, de fato, acabaram revelando verdadeiros talentos da composição erudita nacional, como Almeida Prado (1943-2010) e Ernst Widmer (1927-1990), vencedores das respectivas edições. À frente daqueles dois festivais, estava o compositor Edino Krieger, que levou adiante a ideia da BMBC em parceria com a produtora Myrian Dauelsberg.

A Bienal, desde então, consolidou-se como uma mostra de oito a 12 concertos, sempre agendada para o último trimestre dos anos ímpares, e pensada como uma vitrine para obras de várias formações instrumentais (além das peças acusmáticas, também conhecidas como eletroacústicas). Em 2011, serão executadas 78 obras em 11 apresentações e, pela primeira vez, a Bienal não acontecerá na Sala Cecília Meireles, atualmente em reformas. Receberão os concertos o Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes (Centro), a Sala Baden Powell, em Copacabana, e o Salão Leopoldo Miguez, na Escola de Música da UFRJ (Lapa).

Pela primeira vez, também, todos os 76 compositores participantes terão recebido premiações. Desses, 59 – de 384 inscritos – foram selecionados por edital público com banca externa convocada pela Funarte (organizadora da BMBC desde a terceira edição, em 1979). Outras 16 partituras foram comissionadas diretamente a compositores hors concours, com presença em pelo menos 14 edições da Bienal . Edino Krieger, na condição de fundador do evento, recebeu encomenda especial. Outras duas obras, em memória dos compositores Almeida Prado (um dos hors concours) e Osvaldo Lacerda (1927-2011), estão confirmadas.

Tal premiação integral, possibilitada por um maior aporte de verbas para a Bienal, veio a corrigir uma falha reclamada até a edição anterior, quando apenas os intérpretes eram remunerados – sem considerar prêmios especiais para composições. O compositor Paulo Rios Filho, da equipe de coordenadores do Projeto Bafrik, ganhou distinção justamente em 2009, quando sua peça O enigmático gato de rimas obteve um dos quatro prêmios de 6 mil reais destinados a participantes de até duas edições da BMBC.

Mesmo não tendo sido classificado para a Bienal deste ano, Paulo elogiou a iniciativa: “Acho isso muito bom, pois sinaliza o direcionamento de recursos públicos para a produção artística de uma forma mais direta, que não permite o emperramento nas contrapartidas comerciais – fruto dos patrocínios via leis de incentivo – nem a paranoia antielitismo, que, de alguma forma, subjuga demasiado a criação artística em favor das manifestações culturais típicas/tradicionais”.

CRÍTICAS
O músico baiano, no entanto, ressalva que a Bienal, por sua duração e restrição geográfica limitada à cidade do Rio de Janeiro, não traduz a existência de uma política cultural voltada para a área da criação musical erudita. Ele sugere que o repertório contemporâneo seja trabalhado continuamente: “Esse dinheiro poderia ser aplicado, por exemplo, no financiamento de ensembles (grupos de câmara) dedicados a esse tipo de repertório ao redor do país e à consequente encomenda periódica de obras”.

Com efeito, conjuntos de câmara que trabalham junto a compositores, executando obras especialmente criadas por eles, têm-se mostrado eficientes na difusão da música contemporânea – ainda que presentes em poucas capitais do país, como Salvador e João Pessoa. No Rio de Janeiro, um caso se destaca pela mobilização dos próprios autores, que resgataram uma prática hoje comum em outras artes, mas rara na música de concerto: a formação de um coletivo, tal qual o Les Six, na Paris dos anos 1920.


Para o músico Sergio Roberto de Oliveira, o evento deveria focar mais os artistas e não as obras. Foto: Divulgação

O Prelúdio 21, por exemplo, originou-se em 1998, com Alexandre Schubert, Caio Senna, Heber Schünemann, J. Orlando Alves, Marcos Lucas, Neder Nassaro e Sergio Roberto de Oliveira. Sergio, cuja Suíte para cordas havia sido apresentada na BMBC de 1997, explica como nasceu a ideia do coletivo: “Aquela Bienal foi importantíssima para mim e minha geração. Se, por um lado, foi a afirmação dessa geração como ‘compositores de verdade’, foi também o reconhecimento de que aquele tipo de mostra era pontual e limitado. Falei para os meus colegas: ‘Não quero esperar mais um ano para ter uma obra tocada. Temos que tomar as rédeas de nossas carreiras’. A partir daí, J. Orlando Alves nos organizou”.

Sergio Roberto discorda do formato da mostra, para a qual não foi selecionado este ano, e acredita que a programação precisaria ser menos focada nas obras: “A Bienal deveria ser ‘vendida’ como o grande evento nacional da música contemporânea brasileira. Eles até tentam dizer isso, mas acaba sendo um evento artificial. Ao invés de você focar os artistas, foca as obras. A obra é efêmera e não atrai público; o artista atrai. Não aceito mais o argumento de que é música de difícil consumo. O Prelúdio 21 tem uma média de público crescente, apoiada principalmente em não músicos”.

Sobre a realização de concertos em outras capitais, Flavio Silva, coordenador da BMBC desde 2001, comenta que um eventual deslocamento de intérpretes para fora do Rio de Janeiro demandaria recursos não disponíveis e implicaria articulações prévias – e de retorno incerto – com estados e municípios para dirimir gastos. O musicólogo, que também exerce a coordenação de música erudita da Funarte, justifica que o evento dispõe de baixo orçamento para publicidade, cobra valores mínimos para ingresso (dois reais) e não tem frequência plena, porque dedicado à música erudita de compositores nacionais, com pouco ou nenhum renome perante o grande público.

Na condição de intérprete, o violonista Jorge Santos, que produz concertos de música contemporânea no Rio de Janeiro, defende o equilíbrio entre o cânone e o repertório hodierno na atividade do intérprete. Acerca dos canônicos, ele reforça: “A música de concerto é vista como um grande museu vivo e as orquestras são o símbolo maior desta imagem. A resistência a obras atuais passa por diversos fatores, como a formação básica do músico, que não inclui elementos sonoros que fazem parte do universo musical do século 20 e 21; a continuidade do discurso romântico, que predomina e prevalece no universo artístico; e, principalmente, a questão comercial”.

Para Jorge, esse terceiro fator pesa contra a inserção da música atual, porque parte significativa dos produtores evita assumir o risco de incluir nomes “desconhecidos” em um concerto. O músico recifense, porém, argumenta: “Ao contrário do público tradicional, que se apega ao cânone de maneira, até mesmo, fetichista, essa plateia imensa que está surgindo não tem preconceitos, pois, para ela, Brahms e Berio não estão tão distantes como querem fazer crer os tradicionalistas. Falta aos criadores e produtores da música contemporânea saber dialogar com o público atual”.

Tal distanciamento dos ouvintes é igualmente rechaçado por Flavio Silva, que rejeita análises reducionistas e soluções prontas, quando se fala no quadro vigente da música erudita no país: “Há uma propaganda insidiosa que pretende associar música erudita a elitismos. Não serão ações voluntaristas que mudarão um quadro pouco favorável à música erudita brasileira, mas uma modificação gradual na formação cultural da população”.

No que tange à Bienal, o musicólogo observa que os critérios aplicados no evento procuraram ser os menos problemáticos possíveis: “Como servidor de órgão público, não tenho o direito de escolher qual compositor participará; não vejo outra saída a não ser o concurso. Não escolho quem receberá encomenda, pois para isso preciso de algum critério com objetividade. E não opto por essa ou aquela concepção de contemporaneidade, nem aceito que qualquer servidor público assim o faça. Num órgão privado, todas essas situações são diferentes”.

BMBC 2011 acontecerá de 10 a 19 de outubro e, novamente, não terá representantes de Pernambuco. Paralela às 10 noites de concertos, a coordenação do evento programará três encontros na sede da Academia Brasileira de Música, com os compositores selecionados para discutir o formato das próximas edições. O ouvinte poderá conferir todo o acervo das edições da bienal na internet: mais de mil obras, cuja divulgação era reivindicada por compositores e intérpretes, estão sendo liberadas pela Funarte, após orientações legais e acordos com músicos.

Para os que desconhecem a música erudita contemporânea que circula por eventos como esse, um bom motivo para ouvi-la é dado por Sergio Roberto de Oliveira: “A música contemporânea é exclusiva e nova, mas devemos mostrar que ela não é um bicho de sete cabeças. Que é um pouco diferente, sim, mas ninguém gosta de cerveja no primeiro gole, ou de sushi na primeira mordida. É necessário se habituar e deixar que os novos sabores e sons façam parte de sua vida”. 

CARLOS EDUARDO AMARAL, mestre em Comunicação Social pela UFPE e crítico de música clássica.

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