Arquivo

Ave Sangria: O desbunde, 40 anos depois

Show marca o relançamento de álbum icônico do rock pernambucano, reunindo os remanescentes do mítico grupo dos anos 1970

TEXTO Fernando Athayde

01 de Setembro de 2014

Ave Sangria

Ave Sangria

Foto Reprodução

Depois de décadas, a banda pernambucana Ave Sangria retorna às origens, com apresentação no Teatro Santa Isabel, no centro do Recife, no dia 2 de setembro. Tal “ressurreição” não somente marca uma cativante e íntima visita à música de outra época, mas pontua um acontecimento histórico: o relançamento do homônimo, primeiro e único disco de estúdio do grupo, de 1974, em vinil e CD, além do áudio do show Perfumes y baratchos – famoso por ser a última performance da banda, acontecida há exatos 40 anos, no mesmo Santa Isabel. A produção do projeto é do selo musical Ripohlandya, formado em 2011 pelos membros da conterrânea banda Anjo Gabriel.

Surgida e finada na década de 1970, a Ave Sangria existiu numa época tão fértil quanto sinuosa para a produção artística no Brasil. Contemporânea de grupos geniais como Clube da Esquina e Novos Baianos, tornou-se um marco na história da música brasileira, sobretudo em Pernambuco. Um tempo em que arte e política se relacionavam de forma delicada.

Irreverente e performática, a banda se manteve na memória de admiradores, pela postura corajosa de cantar ideias à frente do próprio tempo. Canções como Seu Waldir – que, à época, foi responsável pelo recolhimento de todos os discos do conjunto que estavam à venda, pelo Departamento de Censura da Polícia Federal – demonstram bem a relação que os membros tinham com a arte: “Eu trago dentro do peito/ Um coração apaixonado/ Batendo pelo senhor/ O senhor tem que dar um jeito/ Senão eu vou cometer um suicídio/ Nos dentes de um ofídio vou morrer”.


Marco Polo é o cantor e compositor do grupo. Foto: Reprodução

Curioso fenômeno, o da permanência da Ave Sangria – da mesma geração de Alceu Valença e Lula Côrtes – no apreço dos fãs dos anos 1970, sobretudo pela circunstância de ter tido apenas um disco lançado (tornado “mito”, pela sua supressão). Mais curioso, talvez, o fato de a banda não ter ficado no “passado”, mas de ter sido “redescoberta” pelas pelas novas gerações.

“O povo redescobriu o disco por causa da internet. Inclusive, aqui no Recife, está havendo uma espécie de movimento neopsicodélico, com grupos e artistas como Anjo Gabriel, Dunas do Barato, Semente de Vulcão e Tagore, que citam o Ave Sangria como uma de suas principais referências”, explica o vocalista, jornalista e poeta Marco Polo Guimarães. Ele ainda conta que boa parte dessa popularidade advém de um show em 2008, no Sábado mangue, projeto da prefeitura do Recife, que reuniu, pela primeira vez em anos, o repertório do LP de 1974.


O disco da Ave Sangria foi recolhido pela censura em 1974. Imagem: Reprodução

Em 2011, foi a vez da apresentação Pirata solitário, que homenageou o intérprete e reuniu, no mesmo palco, diversos artistas da cena pernambucana de gerações distintas, como o cantor e compositor Tagore. “Participar desse show foi um marco para mim, enquanto artista e fã”, afirma o músico, que regravou Dois navegantes, faixa de abertura do LP Ave sangria.

Após essa retomada da Ave Sangria, não demorou para que propostas de uma possível volta do grupo surgissem. Ainda em 2011, a banda se apresentou ao lado da Anjo Gabriel no festival Psicodália, em Santa Catarina, mesmo que somente com o cantor Marco Polo, da formação original. Agora, sob a criação do selo Ripohlandya, a própria Anjo Gabriel deu um importante passo para trazer ao presente a icônica banda pernambucana.

Por meio de um projeto que conta com o incentivo do Governo do Estado de Pernambuco, através do Fundo Pernambuco de Incentivo à Cultura, o grupo preparou o relançamento, não só do único e homônimo disco da Ave Sangria, mas também do registro do último show da banda, Perfumes y baratchos, cujo áudio original permaneceu intacto por 40 anos e configura, hoje, aquilo que se tornou uma lendária apresentação.

O show deste setembro reúne dois terços da formação original da banda, composta pelo cantor Marco Polo, pelos guitarristas Paulo Rafael (que, desde a dissolução do grupo, acompanha Alceu Valença) e Ivson Wanderley, e o baixista Almir de Oliveira. Além deles, foram recrutados da Orquestra Contemporânea de Olinda os músicos Juliano Holanda e Gilú Amaral, além do baterista Do Jarro, a fim substituir Israel Semente, falecido em 1995, e Agrício Noya, incapacitado de participar por motivos de saúde.

Os álbuns, lançados em CD e LP, contam com as artes originais da época e traduzem o espírito da banda. Mais que uma reconstituição histórica, a iniciativa se destaca por conceber a realização de um projeto há tempos desejado, que só agora pôde ser realizado. 

FERNANDO ATHAYDE, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.

veja também

Pesquisa: Teatro para a infância

“Não tive tempo de ser cinéfilo”

“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”