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Antônio Nóbrega: Os passos que levam a Tonheta

Dirigido por Walter Carvalho, 'Brincante' proporciona um mergulho no universo do artista e remonta à trajetória de seu personagem mais emblemático

TEXTO Fernando Athayde

01 de Dezembro de 2014

Antônio Nóbrega

Antônio Nóbrega

Foto Divulgação

Em 1992, o artista pernambucano Antônio Nóbrega concebeu, ao lado do escritor Bráulio Tavares, o espetáculo Brincante, que conta a saga do personagem Tonheta, um carroceiro itinerante, com ares de bufão, notório por deixar todos os lugares por que passava marcados por suas inestimáveis peripécias. Vinte e dois anos depois, o título da obra teatral ganha novo espectro, desta vez, cinematográfico e dirigido pelo premiado cineasta Walter Carvalho.

No longa, lançado oficialmente nos cinemas brasileiros em 4 de dezembro de 2014, o fundamental não é a reencenação da peça teatral homônima com uma linguagem adaptada à grande tela, mas a possibilidade de um mergulho no universo artístico contido na mente do próprio Antônio Nóbrega. Dessa forma, Brincante traz aos olhos do espectador um panorama da cultura popular visto a partir da ótica do artista, que, há quatro décadas, pesquisa as ramificações culturais nascidas e criadas pelo Brasil.

A abordagem linguística que o filme utiliza para sustentar tal prerrogativa também demonstra grande sensibilidade, fazendo jus a seu protagonista. Se Nóbrega teve sua vida e obra erguidas sob a utilização de diversos gêneros artísticos, interagindo intimamente com a arte através da confluência de várias formas de expressão, como a música e o teatro, Brincante é pródigo em captar essa aura experimental. O filme, ainda que preze pela ideia de contar a história linear da vida de Nóbrega, não se rende à formatação narrativa tradicional do documentário. A projeção tenta colocar em gestos e movimentos o conteúdo das palavras, soando como uma obra em que a mensagem seminal não está contida nos depoimentos. Assim, os aspectos históricos abordados no filme surgem metaforizados numa ficção gerada por representações imagéticas relacionadas diretamente com a peça de teatro homônima, escrita há duas décadas.

Na prática, a obra assinada por Walter Carvalho está situada num ponto médio entre a fantasia, as referências ao texto original e a homenagem à trajetória de Antônio Nóbrega. Da sua relação com o movimento armorial ao estudo da música erudita, ele deixou sua marca na história da cultura brasileira como um violinista de formação clássica que viu a possibilidade de mergulhar no abismo que é o processo criativo e se moldar a todo gênero artístico a que seu corpo se permitisse.

ADAPTAÇÃO
Brincante não é a primeira colaboração entre Antônio Nóbrega e Walter Carvalho. A dupla se conheceu durante a produção do especial de fim de ano da Rede Globo em 1992, o Auto da luz, de Luiz Fernando Carvalho, e desde então vinha amadurecendo a relação artística que os une, focada, sobretudo, na possibilidade de levar para o cinema as obras de Nóbrega. Uma prova disso é o fato de que várias das peças de Nóbrega lançadas em DVD, nos anos 2000, contaram com a direção de Carvalho.

No início da década de 1990, época em que o espetáculo Brincante foi concebido e bem-recebido por público e crítica, já havia especulações sobre uma possível adaptação destinada à grande tela, fato que acabou procrastinado até recentemente. Em parte, poderíamos dizer que um aspecto interessante dessa demora reside na própria trajetória do realizador Walter Carvalho como cineasta. Famoso por seu trabalho como diretor de fotografia, a estreia de Walter como diretor ocorreu em 2001, com o longa-metragem Janela da alma. Assim, foi paralelamente a esse processo de redescoberta e de adequação às possibilidades intrínsecas da linguagem audiovisual que ele desenvolveu a premissa de que Brincante deveria se desdobrar como uma simbiótica união entre a vida e obra de Antônio Nóbrega.

E, se Walter de Carvalho assume aqui a função de diretor, também é importante pontuar que o roteiro do longa foi escrito por Leonardo Gudel, parceiro habitual de Carvalho, cuja bagagem inclui obras como Raul – o início, o fim e o meio. A junção dos dois culmina numa proposta estética caracterizada plasticamente por cores fortes e saturadas, além de elementos e arquétipos vinculados à própria trilha por onde o Brasil e Antônio Nóbrega caminham de igual para igual. 

FERNANDO ATHAYDE, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.

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