Arquivo

Abertura para o diálogo e contra a mistificação

Divulgação do drama das celebridades e as campanhas publicitárias perenes contra a doença contribuem ao seu esclarecimento

TEXTO Marcelo Robalinho

01 de Junho de 2012

Cartaz de autoria de Ziraldo ataca, com graça, o tabagismo

Cartaz de autoria de Ziraldo ataca, com graça, o tabagismo

Imagem Reprodução

[conteúdo vinculado à reportagem de "História" | ed. 138 | junho 2012]

Dilma Rousseff, Lula da Silva,
Reynaldo Gianecchini, Hebe Camargo, Drica Moraes, Elba Ramalho, Patrícia Pillar, Glória Perez e Ana Maria Braga. Em comum, essas personalidades brasileiras já vivenciaram publicamente, em maior ou menor grau, seus cânceres. No Brasil, a ampla divulgação do assunto na mídia vem contribuindo para desmistificar a doença, tornando-a um assunto mais difundido e menos envolto em medo.

De 2001 a 2011, ela foi capa de cinco exemplares da revista Veja, considerado o maior semanário de circulação nacional no país, hoje. Desse total, três edições trataram diretamente do câncer em celebridades. O número pode parecer irrisório, à primeira vista, mas é representativo, se levarmos em conta a cobertura anterior. Nos anos 1990, foram identificadas apenas duas capas sobre esse mal, um quantitativo semelhante ao encontrado nos anos 1970.

“A divulgação do câncer nos meios de comunicação, inclusive tendo as celebridades como ilustração do drama, pode ser vista como algo positivo, contribuindo para tornar a doença cada vez mais compreensível para a população. Entretanto, essa superexposição e o enfoque nos casos de famosos podem atrapalhar, na medida em que se utilizem de motivações mercantilistas”, pondera o médico Marco Porto. Para o público leigo, ele diz também que a notícia de “supertratamentos” e “superdiagnósticos”, comumente destacados pela mídia, costumam ser vistos como os melhores. “Essas novidades científicas nem sempre representam a melhor opção para as pessoas, especialmente se esses estudos ainda estiverem em caráter experimental”, complementa o historiador e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) Luiz Antônio Teixeira.


Campanha do Ministério da Saúde, nos anos 1980, traz mensagem leve e direta.
Foto: Reprodução

Luiz Antônio e Marco Porto coordenam o projeto Histórias do câncer – atores, cenários e políticas públicas, uma iniciativa da COC em parceria com o Inca. Surgido há dois anos, o projeto tem a finalidade de produzir conhecimento histórico sobre o controle da moléstia no Brasil, além de contribuir para a valorização e preservação do patrimônio cultural das instituições ligadas ao câncer. A pesquisa e a documentação das campanhas são uma das iniciativas do projeto. Até agora, foram recuperados mais de 300 materiais gráficos, entre cartazes, fôlderes e panfletos produzidos entre as décadas de 1940 e 2000. A Continente teve acesso a boa parte desse material.

Analisando numa perspectiva cronológica, é interessante notar as variações de abordagens em diferentes períodos. Num primeiro momento, os anúncios enfocavam a importância do diagnóstico precoce. Inspiradas no modelo americano, as mensagens abordavam o medo como forma de impor medidas preventivas obrigatórias. O discurso de guerra era bem marcante nesse período, com o uso de metáforas bélicas. Influenciado pelo contexto mundial, esse discurso lançava mão de palavras comuns ao campo militar, tais como guerra, luta, batalha e inimigo; assim ocorria nas mensagens referentes a doenças infectocontagiosas. A imagem do caranguejo servia para retratar a doença. “O câncer era concebido como um inimigo cruel e um flagelo que atacava as nações, sendo necessário combatê-lo a todo custo”, explica Luiz Teixeira.


Publicidade antitabagista sugere que o mal vestese em pele de cordeiro. Imagem: Reprodução

A partir dos anos 1970-80, as campanhas mudam de enfoque, buscando se aproximar mais das pessoas através de um discurso de promoção da saúde, no qual o forte era a adoção de estilos de vida mais saudáveis a fim de evitar o aparecimento da doença. A mensagem se aproxima mais do corpo, tanto textual quanto imageticamente, mostrando o sujeito como principal responsável pelo cuidado consigo mesmo. Nesse sentido, a célebre propaganda da atriz Cássia Kiss, no finalzinho dos anos 1980, ensinando as mulheres a fazerem o autoexame se converte num exemplo representativo dessa fase.

“A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) representa um corte fundamental na história do câncer e da própria propaganda de saúde no Brasil. Até os anos 1980, a doença era apenas mostrada, havendo poucas opções de tratamento para a população. Somente o trabalhador com carteira assinada tinha acesso aos serviços através do antigo Inamps, ligado à Previdência Social. Com o advento do SUS e a paulatina criação de uma rede de atendimento, os anúncios passaram a enfatizar também onde buscar diagnóstico e tratamento”, acrescenta Luiz Teixeira. Ele e Marco lançarão, este mês, o livro O câncer no Brasil, passado e presente, pela editora Outras Letras, que pretende traçar uma trajetória do câncer no país. 

MARCELO ROBALINHO, jornalista e doutorando em Comunicação e Saúde na Fiocruz - RJ.

veja também

Pesquisa: Teatro para a infância

“Não tive tempo de ser cinéfilo”

“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”