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A cabeça no fundo do entulho

TEXTO FERNANDO MONTEIRO
FOTO ANA FARACHE

01 de Novembro de 2011

Foto Ana Farache

Camilo Cela já era Camilo Cela quando esteve no Recife (em maio de 1982), mas somente uma notícia, não muito destacada, apareceu num canto de página do Diario de Pernambuco, anunciando a vinda do futuro Prêmio Nobel de Literatura: ESCRITOR ESPANHOL FALA A ESTUDANTES DA UFPE TERÇA-FEIRA

“O escritor espanhol José Camilo Cela, apontado como um dos mais fortes candidatos ao Prêmio Nobel de Literatura de 1982, e integrante da delegação La Coruña/Recife, falará na Faculdade de Direito da UFPE, nesta terçafeira, às 20h30, sobre o tema ‘O Escritor diante da Sociedade’.

Camilo Cela, que estava em Brasília, chega hoje ao Recife, incorporando-se aos oitenta espanhóis que cumprem vasto programa cultural e de aproximação com as entidades representativas do povo pernambucano. No Aeroporto dos Guararapes, ele será recebido pelos amigos de La Curoña e ficará hospedado certamente no Grande Hotel, onde se encontrará toda a delegação.”

NB: Esse detalhe do hotel é de um sabor provinciano quase cômico, percebe-se também que o repórter nunca ouviu falar do escritor que, de fato, ficou hospedado no velho hotel do Cais de Santa Rita, hoje transformado num Fórum da Justiça, que já deixou de ser fórum. Impressionantes essas mudanças de fisionomia! – no velho Cais do Abacaxi, conforme era chamado: creio que tais mudanças, sucessivas, aceleram a estranheza, móvel, da vida sob o sol do trópico, diria Gilberto Freyre (cito por hábito pernambucano de citar Gilberto Freyre, a propósito de tudo e de nada). A notícia prossegue:

“Um dos livros mais conhecidos de Camilo Cela é A família de Pascoal Duarte, seu primeiro romance traduzido em diversas línguas e que, segundo a crítica, ‘abriu uma nova etapa na narrativa espanhola contemporânea’.

Camilo Cela completará 66 anos no Recife, cidade que certamente tem uma simpática referência na sua bibliografia, pois um seu avô morou aqui muito tempo como imigrante, segundo informação do professor Vamireh Chacon.”

Apesar dessa notícia (que Vamireh foi levar pessoalmente), ninguém se iluda que o Recife amanhecesse consciente da chegada do escritor, vindo na trapalhada de um comitê de “viagens culturais” recreativas sobre o qual o próprio Camilo se expressaria com humor, sumido em Casa Amarela...

Mas Cela ainda está para desembarcar – e a notícia dessa chegada não é lida com mais interesse do que (na página seguinte): MARCEL PROUST NO RECIFE. 

ANA FARACHE, Mestre e doutoranda em Comunicação pela UFPE, jornalista e fotógrafa.

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