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"No começo, era tudo mais escasso"

Com larga experiência e intenso intercâmbio com artistas de outros países, Jam da Silva conversa sobre seu trabalho e o cenário musical contemporâneo

TEXTO Débora Nascimento

01 de Agosto de 2015

Capa do álbum 'Nord', o segundo de Jam da Silva

Capa do álbum 'Nord', o segundo de Jam da Silva

Imagem Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "Sonoras" | ed. 176 | ago 2015]

CONTINENTE
Diante da experiência de já ter participado de uma banda, quais as vantagens e desvantagens de estar numa carreira solo?
JAM DA SILVA Uma das desvantagens é que você sozinho tem de colocar o bloco na rua, sem dividir os custos, portanto precisamos nos aliar ao nosso amigo tempo. Outra desvantagem é se os objetivos artísticos dos membros não estiverem claramente definidos e não forem parecidos, é um inferno. Artistas solo têm mais liberdade e liberdade é o ar do artista. E se ainda for coerente com a arte, melhor ainda.

CONTINENTE Percebo que você gosta de realizar videoclipes. Você acredita nesse formato? Qual o retorno que eles vêm trazendo para tua carreira?
JAM DA SILVA Os clipes popularizam muito o meu trabalho, as pessoas vêm falar nas ruas, encontram e trocam ideias. Hoje o formato em que mais acredito é o audiovisual, a música ligada a outras mídias, não apenas o MP3 pra se ouvir.

CONTINENTE Como foi a turnê na América Latina, realizada no mês de junho? Qual a importância dessas turnês? Como elas foram realizadas?
JAM DA SILVA Foi maravilhoso! Teatros lotados e público muito animado, curiosos e com os ouvidos atentos para tudo. Foi uma alegria imensa perceber que mesmo cantando em português, as pessoas estavam lá curtindo, vibrando e conectadas através da linguagem e da estética do som. Eu que já fazia e faço tours de forma independente, foi muito importante dessa vez, esse reconhecimento por parte do Funcultura. A importância é essa troca de culturas e conexões diversas entre os artistas todos, estamos dando continuidade de uma representação da nossa cultura, bem como incentivando outros artistas a ampliarem seus horizontes.

CONTINENTE Você acha que os artistas locais deveriam investir mais nessas turnês pelo continente?
JAM DA SILVA Sim, devem investir, pois acho o mercado fora do país mais estável. Sempre fiz isso independente de patrocínios e continuarei fazendo, agora mesmo estou montando mais duas turnês de forma independente, tenho muitos convites este ano pra shows nos EUA e Londres e, ano que vem, pro Japão. Daí terei de viabilizar de forma independente, pois as datas estão aí muito perto e não coincidiriam com o calendário dos editais.

CONTINENTE Quais foram os shows mais importantes da sua carreira?
JAM DA SILVA No Rio, fui pra um mês e fiquei dez anos. Fiz muita coisa bacana por lá, projetos como o Multiplicidade e o Festival Back to Black, no qual abri o show da Erykah Badu. Também trabalhei com o griot da kora, o malinês Toumani Diabaté; toquei no palácio Somerset House nas Olimpíadas de Londres, em 2012, a convite dos curadores ingleses e o show da Islândia também foi incrível.

CONTINENTE Você voltou a morar no Recife?
JAM DA SILVA Sim, mas estou morando mesmo é no meu sapato. Estou viajando muito, acho que nossa casa mesmo termina sendo a estrada. O disco Nord naturalmente está sendo convidado pra ocupar muitos espaços e estou muito feliz com isso. Eu me adapto aos lugares que vou, podendo me firmar por um tempo, sem problemas e sem esquecer as minhas origens. Hoje posso morar em qualquer lugar do mundo, pois tudo está mais prático e facilitou nossa vida, se querem que eu grave algo em estúdio, mando via internet e também se for algo presencial basta pegar um avião. Tenho muitos amigos no mundo e me sinto em casa em qualquer lugar desses, viajar nos ensina a ter paciência e é um grande aprendizado, lugar onde podemos reorganizar nossos afetos e pensamentos. Quando comecei no Recife, era tudo mais escasso sim, poucos estúdios, etc. Há um bom tempo que tudo já floresceu e o nível dos profissionais da música, técnicos do som, estúdios, músicos, palcos, são nível top.

CONTINENTE Como você avalia o mercado musical pernambucano hoje, com relação à época em que começou na música?
JAM DA SILVA Pra se ter um mercado, teria que ter: espaços + comunicação (TV, rádio, etc.). Vias de força pra escoar o produto aqui, num âmbito maior, pois público tem. Está acontecendo um momento bonito, com a movimentação dos artistas com seus trabalhos autorais, produzirem seus shows aliados a determinados locais, isso é uma bela iniciativa, sendo assim não gera uma relação de dependência com o Estado. Pernambuco é um berço cultural com grande potencial e, apesar disso, o mercado que abraça o trabalho autoral parece ser pequeno. Tem algumas casas de shows, mas a sua grande maioria é de pequeno porte, que comportam, no máximo, 150 pessoas. O público está acostumado, por sua vez, com os shows abertos dos governos municipal e estadual (Carnaval, Ano-novo, etc.), mas ele consome o que lhe é oferecido. O artista procura vias de fora do estado para garantir a manutenção do seu trabalho, num êxodo artístico. Ocupar os teatros é fundamental, a cidade tem lindos teatros, pouco aproveitados. 

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

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