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'Mattinata': O fiel da poesia

Assim como se propôs há dois anos, Fernando Monteiro silencia quanto à prosa e lança novo livro em versos

TEXTO Schneider Carpeggiani

01 de Junho de 2012

Fernando Monteiro

Fernando Monteiro

Foto Divulgação

A literatura de Fernando Monteiro tem uma musa: a própria literatura. Escreve sempre sobre o porquê de continuar escrevendo, tentando nos fazer compreender que tudo é ficção, até mesmo quando carregamos a certeza de termos vivido aquilo. Inventamos lembranças, repetimos os velhos scripts. Era essa a trama a sustentar seu primeiro romance, o fragmentário Aspades, ETs etc. (1998), livro que obrigava o leitor a caminhar num terreno quebradiço, no qual poderia ser tragado a qualquer momento pelo solo frágil sob seus pés. O auge da sua devoção à musa foi O grau Graumann, em que ironizava o campo literário ao criar o personagem de um escritor brasileiro obscuro que ganha o Prêmio Nobel, desafiando qualquer previsão ou aposta. De uma hora para outra, o estranho de nome alemão se torna uma necessidade de primeira instância para todos que o ignoravam A impressão é que Monteiro estava tão obcecado em dissecar a essência do que implicava escrever, e sobreviver escrevendo, que só um destino parecia coerente com sua empreitada: parar de escrever romances. O silêncio como obra derradeira, um irônico testamento. Foi o que fez há dois anos com o poema épico e distópico Vi uma foto de Anna Akhmátova, marcado pela declaração pública de que não retornaria à prosa.

Sua decisão permanece intacta com o lançamento dos poemas de Mattinata, em que dedica boa parte da obra a responder e problematizar uma pergunta de Roberto Piva, “E para que ser poeta em tempos de penúria?”, uma espécie de variação da pergunta que ele mesmo fazia na época de Aspades, uma das mais fortes obras da literatura brasileira contemporânea, que precisa ser redescoberta com urgência. “Plantamos a flor carnívora/ mas desviamos a vista/ quando o jardim do pecado/ castiga com isso:/ indiferença, acídia, tédio mortal/ no peito de avestruzes/ (os de estômago forte/ para uma literatura feita/ com lixo)”, nos desafia o autor, em mais um forte rompante de amor/ódio à musa que tanto o segue e cega.

Em versos ou em prosa, Monteiro volta a comprovar em Mattinata que é uma voz combativa essencial em tempos acríticos, que dão de ombros para as sutilezas imaginárias entre memória & ficção. Que continue a encontrar novas formas de jamais silenciar sobre sua musa. 

SCHNEIDER CARPEGGIANI, jornalista, editor do suplemento Pernambuco e doutor em Teoria da Literatura.

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