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'Como a Lua' discute morte e nascimento

O diretor José Manoel Sobrinho propõe outro olhar para o espetáculo, com texto de Vladimir Capella, um dos principais dramaturgos do gênero no Brasil

TEXTO Pollyanna Diniz

01 de Março de 2014

Foto Laryssa Moura/Divulgação

Em 1984, ano em que o povo brasileiro foi às ruas pedir eleições diretas para presidente da República, a peça Como a Lua, com direção de José Manoel Sobrinho e música de João Falcão, estreava na capital pernambucana. Até 1989, a montagem voltada para crianças e adolescentes circulou por vários estados. No ano seguinte, ganhou novo elenco, mas a encenação foi mantida tal e qual a anterior. Agora, passadas três décadas da estreia, José Manoel Sobrinho volta a se debruçar sobre o texto de Vladimir Capella, um dos principais dramaturgos para infância e juventude no Brasil.

“O convite foi do produtor Carlos Lira que, à época, interpretou o personagem principal, o índio Payá. Aceitei, mas ponderei algumas questões. A primeira delas é que ele não esperasse elementos que o remetessem ao trabalho anterior”, explicou o diretor. O discurso de que não haverá pontos de convergência entre as duas montagens é radical; serve muito mais, na realidade, como um desafio proposto a si mesmo pelo encenador.

De que forma abordar temas, como nascimento e morte, que parecem chegar com muito mais rapidez ao universo infantil, pensando numa realidade que inclui televisão, internet e tablets para acalmar as crianças e dar sossego aos pais? “O que importa é que essas perguntas sobre nascimento continuam sendo feitas pelas crianças. Como estamos respondendo? Para algumas delas, como a morte, nem temos respostas suficientes”, comenta.

O enredo da montagem traz o índio Payá apaixonado por Colom. A indiazinha, no entanto, parece não corresponder ao sentimento; ela espera por alguém que saiba pescar, caçar. Payá consegue apenas diverti-la com suas brincadeiras. Não é o bastante para Colom. Rudá, deus do amor, decide então adormecer Payá por 100 anos, para que ele esqueça a garota.

Essa narrativa é entremeada por outra, com um grupo de crianças da cidade, que brinca de salada mista, conversa sobre mentiras e encara a morte. Estão no elenco Sandra Rino, Luiz Veloso, Pascoal Filizola, Tiago Gondim, Geysa Barlavento, Kamila Souza, Samuel Lira e Marinho Falcão. A iluminação é de Luciana Raposo. A direção de arte ficou por conta de Claudio Lira e a produção é de Carlos Lira e Elias Vilar.

A música de João Falcão continua sendo um dos principais meios de trazer o espectador para junto da encenação. Na primeira versão, a execução não era ao vivo. Mas a peça podia se gabar de ter sua trilha gravada por Walmir Chagas, Antúlio e Antero Madureira, que formavam o Trio Romançal Brasileiro, além do maestro Egildo Vieira no sopro.

Agora, novos arranjos foram feitos, sob direção de Samuel Lira. Os próprios atores tocam as músicas utilizando diversos instrumentos, como o violão, a flauta e o teclado. Além das canções de Falcão, estão na peça duas composições do diretor André Filho, da Companhia Fiandeiros de Teatro. Uma delas também tem autoria de Alan Sales e estava na peça O menino do dedo verde; a outra entrou em Cantigas ao Pequeno Príncipe, duas montagens que tiveram direção de José Manoel.

AFETIVIDADES E MEMÓRIA
Se, no teatro contemporâneo, as vivências dos atores se tornaram fundamentais ao processo colaborativo de construção da dramaturgia e da encenação, na nova versão de Como a Lua, que conta com o patrocínio do Funcultura, esse era um dos caminhos pelos quais o diretor desejava enveredar.

Experiências dos próprios intérpretes também são levadas à cena, mesmo que, no resultado final, seja bastante difícil – e nem seria essa a intenção – fazer aproximações entre ficção e vida real. “Queria trabalhar a memória, como esse lugar em que todas as histórias estão contidas. A memória que se mostra, neste tempo, tão instável, tão mutante. O que é nossa memória hoje?”, questiona. A encenação também foi alinhavada a partir das improvisações com o elenco durante os ensaios.

Alguns dos atores já haviam trabalhado com o diretor. Sandra Rino, por exemplo, estava em Cantigas ao Pequeno Príncipe e Opereta de cordel; Samuel Lira fez O cavalinho azul; Geysa Barlavento, Opereta de cordel; e Tiago Gondim foi dirigido por José Manoel na leitura dramática de O amor do não, texto de Fauzi Arap. Alguns deles também passaram pelo Sesc, instituição à qual o diretor é vinculado há 37 anos. Atualmente, ele ocupa o cargo de gerente de cultura do Sesc Pernambuco.

“Vivo um momento de me repensar como encenador”, avalia José Manoel. Assim como vários outros nomes ligados ao teatro e às artes em geral, o acúmulo de gestão e criação se mostra um binômio complicante. “Fico horas soterrado de papel. É difícil se desvencilhar dessa realidade para chegar ao teatro. A atividade de criação também é exaustiva e requer tempo”, explica. Mesmo assim, com mais de 100 espetáculos no currículo, José Manoel não estava há muito tempo longe das encenações. Em 2012, dirigiu a leitura de O amor do não; em 2011 assinou a peça Circo de pano de roda lona estrelada, boca calada, montagem da Cia. 2 Em Cena de Teatro, Circo e Dança.

Por coincidência, a última remontagem que fez foi exatamente de um texto de Vladimir Capella: Avoar. Do dramaturgo paulista, aliás, José Manoel já assinou diversos espetáculos. Além de Avoar e Como a Lua, dirigiu Com panos e lendas, Píramo e Tisbe e O dia de Alan. “Quando disse ao Capella que iria fazer novamente Como a Lua, ele ficou preocupado. Principalmente que o texto, escrito em 1981, fosse encarado como velho. Isso, na minha visão, vai depender da abordagem. As temáticas continuam fazendo sentido”, avalia.

Logo que escreveu, o próprio dramaturgo também montou Como a Lua. O papel principal era de Marcos Frota e a peça ganhou vários prêmios, como o APCA de melhor espetáculo, autor e ator, e o então prêmio Molière para Marcos Frota. “Marcos Frota viu a primeira versão e comentou como era diferente. E assim será agora também. Tenho recebido muitas mensagens de pessoas que dizem o quanto essa montagem marcou época e como querem revê-la. Não será bem assim. As pessoas verão um novo espetáculo em cena”, ressalva. 

POLLYANA DINIZ, jornalista, crítica de teatro e colabora do blog Satisfeita, Yolanda?.

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