Arquivo

'Avante': O rabequeiro e o guitarrista

Anos depois de ter abandonado o rock, Siba volta ao estilo em que se iniciou musicalmente e elabora um de seus álbuns mais pessoais

TEXTO Gabriela Alcântara

01 de Janeiro de 2012

Siba

Siba

Foto Divulgação/CIA da Foto

Os riffs de guitarra começam baixos, como se preparassem o ouvinte. E não é por menos: cinco anos após o lançamento de seu último álbum, ainda com a banda Fuloresta, o pernambucano Siba Veloso volta à guitarra e abre a safra de 2012 com o esperado Avante. Produzido por um dos melhores guitarristas do país, o cearense Fernando Catatau, e com a ajuda dos músicos Léo Gervázio (tuba), Samuca Fraga (bateria) e Antônio Loureiro (vibrafone e teclados), o disco é um presente tanto para o músico quanto para o seu público.

Depois de quase 20 anos com seu nome vinculado à tradição da música nordestina, graças às influências do coco, forró e maracatu nos grupos Mestre Ambrósio e Fuloresta do Samba – e ainda projetos como o disco Violas de bronze, com Roberto Corrêa –, Siba volta ao instrumento que o iniciou na música, numa transição que ainda apresenta traços de seu trabalho anterior, no qual tocava rabeca. O preparo, no entanto, foi longo: o processo de composição e gravação foi como uma terapia, segundo o músico, “demorada e conflituosa”. Enquanto voltava à guitarra, Siba contou com a ajuda de Catatau, que, além de produtor, foi também um dos grandes inspiradores do disco, sendo o Método tufo de experiências – da Cidadão Instigado – um dos pontos de partida para Avante.

Não só a melodia, um pouco mais elétrica, tornou-se terapêutica. As canções possuem um tom confessional e parecem contar a história de uma caminhada de descoberta do homem e do poeta, que amadurece após naufragar nos “balés da tormenta”. Esse é, possivelmente, o trabalho mais autobiográfico de Siba, e o próprio músico confessa que, “nesse disco, a matéria-prima foi muito da minha vida, das coisas que passei. Talvez eu tenha tentado economizar com o psicólogo, não sei”. O resultado são algumas das mais belas poesias do pernambucano, seja em tributo que presta aos cantadores, com bem-realizadas rimas, ou em momentos de melancolia, como em Qasida, que percorre memórias afetivas, embaladas pela guitarra de Catatau.

No conjunto, destaca-se a sequência formada por Canoa furada – aqui regravada com um pouco de peso –, Mute, Um verso preso e Avante. Agrupadas, evidenciam o trabalho do poeta com a voz. A letra da faixa-título representa, para Siba, o desejo de não silenciar e o vigor da poesia, bases do seu trabalho. Siba revela, ainda, que a música – e o disco como um todo – tem mais a ver com a ideia de “descobrir sua força interior, para poder achar a propulsão que leva ao movimento”, do que com a quebra de uma fase e o início de outra.

Embora desafios e melancolias deem corpo a Avante, o álbum guarda espaço ao lúdico, presente nas faixas A bagaceira e Bravura e brilho. A primeira é uma homenagem ao Carnaval, a segunda, que fecha o disco, traz os super-heróis que povoam o mundo do filho de Siba (junto com ele, na foto da capa do CD).

REGISTRO DE PROCESSO
Além do álbum, Siba gravou também um documentário, que mostra seu processo de realização. Nos balés da tormenta, gravado por Caio Jobim e Pablo Francis, da Doble Chapa, deve ficar pronto em abril e, segundo Caio, vai correr o circuito de festivais, além de ser exibido em um canal de televisão.

Por causa das influências que vão desde Jimi Hendrix às guitarras do oeste africano – e especialmente à transposição da música tribal da África ao som mais elétrico e urbano –, passando pelas sonoridades cubanas e caribenhas dos anos 1940, com uma pitada da Cidadão Instigado, definir o estilo de Avante é uma tarefa difícil. Porém, por conta das nossas recorrentes necessidades de classificação, quem se propuser à aventura terá que concordar com Catatau: trata-se de um “rock estranho”. O certo é que não há lugar para saudosismos. Assim como migrou sem problemas do Mestre Ambrósio para a Fuloresta, Siba chega ao novo projeto com vigor e sinceridade, emocionando, ao transformar sua trajetória em poesia.

O show – que rodou um pouco em São Paulo no último semestre de 2011, como uma espécie de ensaio da banda, que só havia se reunido para gravar o disco – deve chegar ao Recife ainda nos primeiros meses deste ano. Com o carisma reconhecido de Siba, e a força de entrosamento que o cantor tem com o público, Avante, ao vivo, deverá ser como a audição do álbum: sublime e intenso. 

GABRIELA ALCÂNTARA, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

veja também

Pesquisa: Teatro para a infância

“Não tive tempo de ser cinéfilo”

“Mesmo um filme que não fale diretamente de política, é político”