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'As coisas': Em busca de objetos de desejo

Romance de estreia de Georges Perec tem como argumento narrativo a sujeição de um casal à sociedade de consumo

TEXTO Schneider Carpeggiani

01 de Março de 2012

Georges Perec

Georges Perec

Foto Reprodução

Virginia Woolf defendia que era necessário o estudo das obras “menores” de um grande escritor, porque nelas seria possível detectar não apenas suas falhas, mas seus esforços de evolução. Ficariam evidentes suas artimanhas em busca da lapidação de uma futura (ou, ao menos, de uma sonhada) obra-prima. Não que o romance As coisas, estreia do escritor francês Georges Perec (1936-1982), publicado agora no Brasil pela Companhia das Letras, seja um trabalho “menor” ou literariamente confuso. Pelo contrário. Apenas aqui não encontramos os exercícios radicais de A vida – modo de usar, que tanto maravilhou Italo Calvino e inspirou a estrutura fragmentária de Detetives selvagens, de Roberto Bolaño.

As coisas foi escrito naqueles anos 1960 que se orgulham em ser lembrança e índice de revolução, e também do boom de uma colorida cultura pop, tão injustamente satanizada como politicamente oca (ah, esses revolucionários...). Nesse universo tão paradoxal, Perec dribla clichês políticos ao criar a história do casal Jérôme e Sylvie, parisienses acometidos por um amor à última vista, que é o desejo de consumir. Não de consumir algo específico e concreto, como parece ser o título tão direto ao ponto da obra. Mas de consumir o mundo, de deixar que o desejo pelas “coisas” atravesse seus espíritos; e não o contrário. Os dois agem como maníacos fascinados por uma vitrine de manequins despidos.

Temos um romance em que os protagonistas são objetos porque são jornais que ditam o comportamento, os cardápios que elegem os sabores, as roupas que escolhem os corpos, a ideologia que convoca seus partidários... Enfim, um universo no qual os personagens são passivamente escolhidos, em que tudo é ilusoriamente “marrom, ocre, fulvo, amarelo, um mundo de cores desbotadas, em tons cuidadosamente, quase preciosamente dosados, no meio das quais surpreenderiam algumas manchas mais claras, o laranja quase berrante de uma almofada”. Assim como nós, as coisas também não têm paz.

Um rápido guia de leitura de Georges Perec: comece com As coisas, salte para A vida – modo de usar com um apetite canino e fuja, fuja com todas as forças, de A arte e a maneira de abordar seu chefe para pedir um aumento

SCHNEIDER CARPEGGIANI, jornalista, editor do suplemento Pernambuco e doutorando em Teoria da Literatura.

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