A arte do drible da crônica

"Exatamente no fundo de minha casa tinha o melhor campo de bola do mundo, muito mais lindo do que o Maracanã. Dizem que o estádio carioca é o maior do mundo, mas em verdade vos digo: não chega nem no chinelo daquele de minha rua. No entanto, mesmo estando a dois passos do paraíso, eu vivia num inferno. Com seu carrancismo dos seiscentos, meu inflexível pai não permitia que seus filhos se dessem ao desfrute de correr atrás de bola. 'Isto é coisa de malandra', decretava, assim mesmo no feminino. Os que ousavam desafiar tal ordem conheciam no próprio espinhaço os poderes de plantas como urtiga e cansanção. Porém, nasci para pecar", escreve o jornalista e escritor Franciel Cruz, no texto "Tão perto e tão longe", uma das 49 crônicas de Tá pensando que tudo é futebol?, livro que ganha lançamento no Recife, no domingo (15), no Orora Bar de Esquina (Rua da Aurora, 1139, Santo Amaro), às 15h.

Segundo título de crônicas do autor, a publicação parte do futebol para realizar observações existenciais, fazendo um bem-humorado convite à reflexão sobre os descaminhos do jogo de bola e da vida, levando o leitor a se deixar encantar pela mágica do drible e outros artifícios que hoje parecem antiquados. Conforme sublinha o jornalista e escritor Douglas Ceconello, "Franciel é mestre na arte de fingir que vai para um lado e sair para o outro: ameaça que vai falar sobre as desventuras do mitológico zagueiro Pedro 500 ou sobre a 'energia ancestralmente poderosa do Santuário do Barradão', mas na verdade está nos chamando para conversar, munido de megafone ou ao pé do ouvido, sobre as mais relevantes questões da existência, como os sonhos que pedem divórcio assim, de repente, e a miragem de uma velha Fonte Nova que simboliza a beleza e a ruína que podemos alcançar – que, na verdade, nos alcançam".

Nas crônicas, o escritor baiano fala sobre Vitória, Bahia, VAR, escanteios, partidas memoráveis, craques como Garrincha e Romário, divórcio, racismo, Mário Filho, conquistas e derrotas, dentre outros temas. "Vou tentando uma jogada de efeito, tropeçando e zombando, cotidianamente, das minhas mortes e vidas severinas. E juntando as pedras, os cacos, e subindo e descendo o morro no inútil trabalho de Sísifo", afirmou. Nestes caminhos e desmanhos, Franciel Cruz aprendeu com o compositor e "filósofo" Beto Sem Braço que o que espanta a miséria, dentro ou fora das quatro linhas, é festa. Por isso, o cronista vai celebrar o novo lançamento no Recife.

SERVIÇO
Lançamento de Tá pensando que tudo é futebol?, livro de crônicas de Franciel Cruz
Onde: Orora Bar de Esquina, Rua da Aurora, 1139, Santo Amaro
Quando: Domingo (15), a partir das 15h