Especial
A nova safra do café
Crescimento do hábito de tomar cafés especiais impulsiona a produção de grãos em Pernambuco
Como os melhores vinhos, os melhores cafés ativam os cinco sentidos. A fruta se vê e se apalpa, e, na sua alquimia, se torna – e vem à tona – o que se toma: o prazer. O toque de “saúde” das taças ou o chilreio das cafeteiras, sinalizam a alegria de viver. No seu estado de beleza, a vida “é um cheiro de café”, como no verso de José Carlos Capinan. Ou numa das obras menos conhecidas – e mais saborosas e sensuais – de Bach: a Kaffeekantate (BWV 21). Nada grave; muito pelo contrário: uma miniópera cômica. Composta por encomenda e servindo como peça de propaganda da Cafeteria Zimmermann. Curiosamente, uma crendice da época desestimulava o consumo do café pelas mulheres: dizia-se que provocava esterilidade. Os versos cantados vão na direção contrária: estimulam o consumo do café, porque ele é tão delicioso como beijos. Se não o bebesse a jovem mulher diz que perderia toda a graça e não encontraria pretendentes. O café tem, como se percebe, desde há muito, as melhores notas – nos vários sentidos da palavra.
No Brasil o café sabe a metonímia, pois é, ao mesmo tempo, o produto em si e o lugar de consumo. Serve também como metáfora de refeição (já se chamou, séculos atrás, de “almoço de café”). Por vezes se chamam cafés às tertúlias literárias e filosóficas. Mas o café é, sobretudo, um bem – econômico e cultural. A cultura do café e o café na cultura: o tema do Documento desta edição da Continente.
No caso do cultivo, o café, denominado especial, vem, a cada ano, tomando os melhores espaços e tempos e atenções entre os melhores da geografia local, e sendo tomado pelos consumidores mais exigentes. Cresce o seu mercado.
Quase como um esboço enciclopédico, os repórteres e articulistas da Continente abordam o café em várias das linguagens da cultura. Como se o tempo fosse realmente tríbio, aqui temos uma pequena história de antigas cafeterias do Recife que se encontra com o presente dos novos espaços onde melhor se pode beber um café do tipo especial. Percorrendo tudo isso uma longa reportagem de economia criativa: os melhores cafés que estão brotando em diversas cidades do interior de Pernambuco. Com destaque para Taquaritinga do Norte e o seu festival do café, um dos espaços de promoção do produto que vem atraindo empreendedores e empreendedoras (estas com especial mérito. Grande conquista a louvar-se quando as mulheres protagonizarem as empresas que não apenas servem, produzem o café. Sob as bençãos de um acorde de Bach.
O hábito, o costume de tomar café tão arraigado está que é um fator de resistência àquilo que o filósofo Byung-Chul Han chamou num livro sobre a topologia do presente de O desaparecimento dos rituais. Não, não soterramos ainda, e ainda bem, todas as pequenas vilas e seus modos; não prescindimos das noites e das estações.
A capa de uma edição espanhola do livro de Han mostra justamente o ato de tomar café. Como o do chá, integra algo essencial à sobrevivência em harmonia: o convívio humano. Tanto melhor se acentuar o gosto pelo encontro, o afeto, o diálogo e a poesia. Simbolizados na carícia que vem no aroma do café, ao folhear-se esta revista, com o brinde exclusivo da gravura de J. Borges, feita especialmente para Continente, na sua edição de Inverno.
Mário Hélio | Editor
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