FOTOS HANNAH CARVALHO
03 de Janeiro de 2023
Imagem ARTE SOBRE FOTO DE DIVULGAÇÃO
[conteúdo aberto para degustação | ed. 265 | janeiro de 2023]
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Tem quem ache que a cultura ballroom é só dip, paju e fechação. A realidade é que as coisas são mais complexas do que aquilo que aparece sob um verniz de programas de TV e documentários. Na pista e na rua quase não existe coreografia, as narrativas são construídas no momento em que se pisa na pista de dança e se assume o risco de falhar sem medo. Até porque este é também um lugar da falha daquelas e daqueles que diariamente falham com um horizonte de expectativas de gênero e sexualidade cisheterosexual. É um lugar de pessoas que fazem da “falha” sua potência, e se tornam pioneiras, desbravando novos caminhos e formas de existir.
O que entendemos hoje como ballroom, englobando categorias de desfile, dança e rimas, surge de um movimento de ruptura com o circuito de concursos de beleza em Nova York. Crystal LaBeija (1930-1990), uma drag queen afro-americana, rasga o verbo durante o concurso de beleza de Miss Universo América de 1967, realizado na Prefeitura de Nova York (ZION, Fênix. 2020), expondo a manipulação da anfitriã racista para que uma competidora branca vencesse a disputa. Segundo Fênix Zion, pesquisadore de moda, graduade pela Ufal, Crystal, ao lado de sua amiga de Lottie, realizou a primeira ball de perspectiva antirracista em 1977, ano também da fundação da The House of LaBeija, que dá início ao sistema de casas na comunidade ballroom.
I have a right to show my color, darling. I am beautiful, and I know I am beautiful é uma das célebres frases de Crystal registradas no documentário The queen (1968), de Frank Simon. Essa frase forma a pedra basilar da comunidade ballroom como um espaço de reunião e celebração da beleza dos corpos excluídos, e há uma palavra dentro da comunidade que carrega esses sentidos: realness.
Contar um pedaço da história dessa comunidade em Pernambuco é um desafio. Para encarar esse processo é necessário certo movimento pendular entre jornalista e dançarino, que se alternam, e, por vezes, se confundem, na construção dos olhares aqui lançados sobre a comunidade. Reconhecer meus fortes laços com ela talvez seja o caminho mais profícuo.
Porque o afeto é o que nos mobiliza, é a grande força motora da cultura pop, e – sendo eu um insider da ballroom – parte das lacunas narrativas que aqui seguem são preenchidas pelas memórias de quem caminha junto à comunidade.
Venda avulsa na loja da Cepe Editora e nas bancas.