Os valores sociais, numa sociedade aberta e democrática, fincam suas raízes através não da determinação autoritária de um tipo de moralismo fixo e imutável, mas do diálogo e das polêmicas; da confrontação permeável e sensível da tradição recebida e de seus valores com os da cultura e das demandas dos indivíduos e sociedades do presente. Daí vislumbramos a relevância atual do que Merquior elaborou como um ideal emancipatório para nosso tempo: um humanismo crítico (não afirmado a partir de uma concepção essencialista de ser humano); e um liberalismo social, marcado pela defesa do valor fundamental do pluralismo ético nas sociedades contemporâneas, e pelo reconhecimento das vantagens político-econômicas da democracia liberal.
Nos últimos 20 anos, o Brasil assistiu ao renascimento, florescimento e decadência (parcial) de um amplo movimento de inspiração liberal. Aquilo que havia começado, de forma promissora, com um sentido crítico e renovador em relação às narrativas ideológicas e ao debate de ideias políticas no país, terminou com uma aposta num populista de caráter explicitamente autoritário de cujo nome não preciso lembrar-lhes. O atual clima de terra devastada no país – e a metáfora ambiental nunca foi tão pertinente – dá ensejo ao recrudescimento de tudo aquilo que – suponho – os verdadeiros liberais, originalmente, esperavam combater: extremismo, populismo, nacionalismo, dirigismo e messianismo político. É hora, mais do que nunca, de debatermos seriamente o legado de Merquior.
EDUARDO CESAR MAIA, crítico cultural e professor de Comunicação e Literatura na UFPE.