Memória

Independência e morte

A saga pouco conhecida de João Soares Lisboa, primeiro jornalista a ser processado, preso e deportado no Brasil, morto em combate em Pernambuco, durante a Confederação do Equador

TEXTO Homero Fonseca

01 de Setembro de 2022

Ilustração Karina Freitas

[conteúdo na íntegra | ed. 261 | setembro de 2022]

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“Quem autorizou S.A.R. (Sua Alteza Real) a contrariar a vontade do povo?” A pergunta foi feita a dom Pedro pelo jornalista João Soares Lisboa nas páginas do jornal Correio do Rio de Janeiro, do qual era dono, editor e único redator. Atitude impensável naquele tempo, quando todos se dirigiam ao príncipe regente numa clave bajulatória: gênio tutelar do Brasil, adorado ídolo, incomparável, magnânimo, imortal, semideus de paz, justiça, bondade, magnificência e terna liberalidade etc. 

Era julho de 1822, o ano mais intenso e turbulento do complexo processo de independência do Brasil, que se estendeu de 1821 (Constituinte de Lisboa e suas repercussões no Brasil) até 1825 (reconhecimento diplomático por parte de Portugal, que recebeu a indenização de dois milhões de libras esterlinas). A decretação da liberdade de imprensa nos domínios portugueses, pela Constituinte (também chamadas Cortes de Lisboa), provocou uma explosão de jornais doutrinários no Brasil. Mais de uma dezena de periódicos apareceram, com títulos como Revérbero Constitucional Fluminense, O Espelho, O Regulador Brasileiro, O Macaco Brasileiro. 

Até então, circulavam apenas a Gazeta do Rio de Janeiro (desde 1808), que era editada por funcionários do governo, rodava na tipografia do governo e só publicava assuntos do governo, mas dizia que não era um órgão oficial; mais dois ou três outros áulicos na Bahia e outras províncias e o célebre Correio Braziliense, editado desde aquele ano em Londres por Hipólito José da Costa e que circulava clandestinamente nas principais cidades brasileiras. Os novos periódicos, acompanhando a polarização da época, dividiam-se entre conservadores e liberais − os primeiros defendo a manutenção da monarquia absoluta centralizada em Lisboa; os segundos, a favor de uma monarquia constitucional, com os dois reinos unidos, mantendo a igualdade de direitos, sobretudo o livre comércio exterior. Estes, perceberam a tendência das Cortes de Lisboa de, a pretexto da “regeneração” da pátria-mãe, “recolonizarem” o Brasil e foram se inclinando a uma ideia de independência, assombrados com o que viam como retorno à sujeição e à opressão. O quadro foi se radicalizando até a ruptura final que foi um longo processo, do qual o inócuo “Grito do Ipiranga” seria apenas a data simbólica, como construção histórica. 


Correio do Rio de Janeiro comemora a convocação da
Constituinte Brasileira: Independência. Imagem: Reprodução

O Correio do Rio de Janeiro, como o Revérbero Constitucional Fluminense, militava ao lado dos liberais, levantando as suas bandeiras. Diante da radicalização das Cortes, João Soares Lisboa, o editor do Correio, sugeriu que fosse criada uma Assembleia Constituinte brasileira. Publicou a ideia no dia 22 de abril e um grupo de seis liberais (entre os quais o advogado Joaquim Gonçalves Ledo, o padre Januário da Costa Barbosa, editores do Revérbero, e José Clemente Pereira, presidente do Senado, todos maçons) redigiu uma representação (petição pública) pedindo Constituinte Já. Além de autor da ideia, o irrequieto João foi seu maior entusiasta, pedindo ao povo que comparecesse à gráfica para dar sugestões e assinar o documento, que alcançou a assombrosa marca, à época, de 6 mil assinaturas, incluindo-se analfabetos que apuseram um X ao lado dos nomes. A representação foi encaminhada pelo Senado ao príncipe em 23 de maio. O qual, junto ao seu primeiro-ministro, José Bonifácio de Andrada, não era simpático à ideia, considerada radical. Mas, diante da pressão, dom Pedro convocou a Assembleia Constituinte, no dia 3 de junho de 1822. Para os chamados liberais exaltados, o ato representava a declaração de independência do Brasil (João Lisboa se jactaria, depois, de ter dado “o primeiro grito de independência”. Ele escreveu em seu jornal: 

Rompeu-se o véu, desapareceu a mancha efêmera que ofuscava a luz: o Brasil já não é colônia, já não é reino, já não são províncias ultramarinas! O Brasil é mais do que tudo isso: é nação livre, independente. 

A euforia durou pouco. Na mobilização pela ideia, João solicitara que o público também se manifestasse sobre se os deputados constituintes deveriam ser escolhidos por eleição direta ou indireta, vencendo por larga margem a eleição direta. Porém, um dos artigos do decreto de convocação da Assembleia estabelecia a escolha por via indireta. Destemido, João fez então aquela pergunta impertinente do início deste texto à S.A.R. E então se tornou o primeiro jornalista a ser processado por “abuso da liberdade de imprensa” no Brasil. 

Esse foi o primeiro passo no caminho de dissidente desse jornalista tão pouco conhecido: absolvido dessa acusação por um júri popular, seria depois denunciado por conspiração, deportado, preso por oito meses, e novamente deportado. A caminho do segundo exílio, nos começos de 1824, quando o navio que o levava à Inglaterra aportou no Recife, fugiu de bordo e se juntou aos rebeldes envolvidos na Confederação do Equador, à frente o frade Joaquim do Amor Divino Caneca. Morreu combatendo pela República em terras pernambucanas, aos 40 anos. 

Mas quem era João Soares Lisboa, de tão intensa trajetória, definido pelo professor e pesquisador Nilo Sérgio Gomes como “português de nascimento, mas que (…) morreu brasileiro”? Pouco se sabe de sua biografia. Calcula-se, ter nascido no Porto, em 1784, vindo para o Brasil em 1800, com 16 anos incompletos de idade. Morou no Rio Grande do Sul, onde se tornou comerciante abastado fornecendo víveres às tropas portuguesas na Guerra Cisplatina. 

Mudou-se para a Bahia, onde teve dificuldades nos negócios, chegando a pleitear um emprego público, não sendo atendido. Fixou-se no Rio de Janeiro em 1821, matriculou-se na junta comercial como comerciante atacadista e assistiu à violenta repressão das forças comandadas pelo general Avilez, da Divisão Portuguesa na capital, a uma reunião de adeptos do constitucionalismo. Resolveu entrar na briga política em defesa da monarquia constitucional. Comprou uma pequena gráfica e, no dia 10 de abril de 1822, inaugurou o Correio do Rio de Janeiro, o primeiro diário político do país. 

Como a maioria da elite liberal naquele momento, de início, Soares Lisboa era contra uma “independência democrática” fomentada por “anarquistas que se dizem republicanos”. Rapidamente, porém, o jornalista foi mudando de opinião, à medida que as Cortes de Lisboa caminhavam para “recolonizar” o Brasil (retorno do rei dom João VI, descentralização da administração do Brasil, subordinação dos comandos militares diretamente a Lisboa e outras medidas). 

É fascinante observar nas 225 edições das duas fases do Correio do Rio de Janeiro o evoluir do pensamento de João Soares Lisboa, considerado por vários historiadores como o mais combativo, influente e talentoso jornalista daquele tempo. Por isso, o Correio também era o jornal mais popular. 

REPÚBLICA NA VEIA
Soares Lisboa distinguia-se dos demais liberais por pregar abertamente uma suspeitíssima soberania popular na feitura da Constituição. As palavras Independência, República e Democracia eram demonizadas pelo pensamento dominante. Tanto que os mais empedernidos liberais evitavam usá-las para não se queimarem. 

Entretanto, o destemido João deixava pistas de suas tendências republicanas espalhadas por seus textos, desde citações a Jean-Jacques Rousseau e aos próceres da Revolução Americana às frequentes menções simpáticas à emancipação dos nossos vizinhos americanos, quase todos como repúblicas. Em duas edições seguidas do Correio reproduziu os aforismos do sociólogo francês Charles-Jean Bonnin, como “Só o povo tem o direito incontestável, inalienável e imprescritível de instituir o Governo”. Também usava a expressão “Supremo Tribunal da opinião pública”. Na edição de 25 de setembro de 1822, ele escreveu ser o Brasil “uma terra da liberdade, consequência infalível de um Governo Representativo de novíssimo cunho: monarco-democrático.” 

Paralelamente, João se envolvia nas estrepitosas polêmicas com os jornais conservadores, trocando farpas principalmente com seu quase homônimo, José da Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu, ligadíssimo à dinastia dos Bragança, de formação erudita, editor de periódicos áulicos. João evitava descer ao nível da baixaria característica das polêmicas daquele tempo. Acusado de ignorante pelo adversário, por não ter curso superior, revidava atribuindo à demência senil as diatribes dele, e argumentava: “Quantos estúpidos não vão a estudar em Coimbra e não voltam como foram, senão piores?”. Ele procurava escrever o mais coloquialmente possível para ser entendido pelos leitores. E tinha requintes estilísticos, como quando, ao levantar uma dúvida, usou uma metáfora digna de Machado de Assis: “Aqui há mistérios, dissemos nós ao nosso tinteiro” ou ao apelidar o abuso do poder militar de “Direito do Canhão” ou ao ironizar os adversários com a tirada “Sabem tanto disso quanto eu sei o que se passa agora na China”. 

Enquanto isso, o príncipe regente, premido pelas duas formidáveis forças que polarizavam o debate, dava uma no cravo e outra na ferradura. De um lado, pressionado pelos liberais, tomou várias medidas ao longo de 1822, que, vistas no conjunto, configuravam a separação de Portugal: a convocação da Constituinte brasuca em 1º de junho; um decreto, em 1º de agosto, com medidas defensivas que eram praticamente uma declaração de guerra a Portugal; o Manifesto às Nações, em 6 do mesmo mês, solicitando reconhecimento diplomático do Brasil como país independente; sua aclamação, no dia 12 de outubro, como primeiro imperador do Brasil. Num documento, falou em “independência moderada”.


Sessão das Cortes de Lisboa, em 1822. Óleo sobre tela de Oscar Pereira da Silva (1922). Imagem: Wikimedia Commons 

Ao mesmo tempo, autorizou seu primeiro-ministro José Bonifácio a desencadear, entre outubro/novembro, uma implacável devassa (que ganhou o nome de “bonifácia”) contra os “liberais exaltados”. A acusação abrangia “perturbação da ordem pública, conspiração contra o Governo estabelecido, divulgação de atrozes calúnias, incitação da discórdia entre o povo e de guerra civil”, que resultaria “em derramar o sangue dos cidadãos honrados e pacíficos e cavar até os alicerces a ruína do nascente Império”. 

Gonçalves Ledo e Soares Lisboa tiveram a prisão decretada, seus jornais foram fechados e eles intimados a deixar o país, num prazo de oito dias. Em 8 de outubro, o Revérbero foi extinto e seu editor exilou-se em Buenos Aires. Em 22, o Correio circulou pela última vez, nessa primeira fase. Mas o cândido João não seguiu logo para o desterro. Escondeu-se e, no dia 30, crédulo na boa fé do imperador, aproveitou a cerimônia de beija-mão e falou pessoalmente com ele sobre sua situação. O jovem Pedro I falou-lhe num tom paternal: “É necessário cumprir as ordens do Governo. Nada lhe custa fazer uma pequena viagem. Vá, volte e continue a escrever”. Ele então foi se juntar a Gonçalves Ledo, em Buenos Aires. O irrequieto João, ao contrário do colega, não demorou quatro meses no exílio. 

Em 17 de fevereiro de 1823, confiado na conversa do soberano e esperançoso na futura Constituinte, João voltou ao Rio de Janeiro e foi preso tão logo desembarcou. Continuava com a prisão decretada, enquanto a devassa corria agora na Justiça. Entretanto, em maio, de dentro mesmo da cadeia, ressuscitou o Correio do Rio de Janeiro, lançando inicialmente algumas “edições extras” em maio, junho e julho. 

Na primeira, em 24 de maio, animado com a instalação da “Soberana Constituinte” no dia 3, explica aos leitores que “aos que gemem debaixo dos ferros”, a prisão causa “uma espécie de embrutecimento”, mas que “o amor da bem entendida Liberdade” o fizera “despertar do letargo” e submeter-se ao “tribunal da opinião pública”. E, embora finalizasse a edição de 12 páginas dando vivas à “Soberana Assembleia Constituinte” e ao “ao sr. Dom Pedro I, imperador constitucional do Brasil”, desfiava os princípios que guiavam seu jornalismo, que na verdade eram uma síntese do ideário republicano (sem usar o termo), a começar por “Todos os homens nascem iguais”. O velho e bom João estava de volta. 

Outros números especiais circularam a 5 de junho e mais 11 em julho, em que se destacam uma veemente defesa ao processo a que respondia; acusação ao governo imperial por inúmeras arbitrariedades, atuais e passadas, como a supressão da liberdade de imprensa, as inquisitoriais devassas, prisões e deportações de oposicionistas. Publicava textos do Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, de Cipriano Barata, e correspondências de leitores, como uma protestando indignada contra “o direito concedido às baionetas de deliberarem em matérias políticas”. Trazia ainda críticas ao Diario do Governo

Nessas edições extras, ele reproduz a sentença do processo gerado pela “bonifácia” em que todos os acusados foram absolvidos, exceto ele próprio, condenado à pena de 10 anos de detenção e pagamento de custas no valor de 100 mil réis. As matérias desses números especiais são assinadas e datadas: “Da Cadeia do Rio de Janeiro”. No dia 1º de agosto de 1823, o Correio entra em sua 2ª fase, com circulação diária regular, exaltando a imprensa como “esta arma invencível que empregaremos, como até aqui, na defesa da Pátria e da Liberdade”. 

Mas uma pergunta paira n o ar: como o jornalista conseguiu, “sob um regime despótico” − como ele próprio acusava −, editar, imprimir e distribuir uma folha diária de dentro do cárcere? 

Para realizar a façanha, obviamente ele precisava de ajudantes que lhe dessem a logística necessária para escrever seus textos, ler jornais brasileiros e portugueses, cuidar da impressão e da circulação. Isso implicava numa cumplicidade nas altas esferas. Os historiadores interpretam que o próprio imperador fazia vistas complacentes, porque, durante os anos do processo de emancipação, ele oscilava entre as várias tendências de sua corte, ora pendendo para um grupo, ora para outro, e estaria naquele momento interessado em esvaziar os poderes de José Bonifácio e sabia que o lombo do primeiro-ministro ia arder sob o açoite do destemido jornalista. E, realmente, o bom João continuava preservando o soberano por acreditar no seu quimérico liberalismo, enquanto atacava os irmãos Andrada. A tese parece ratificada pela queda dos Andrada, em julho de 1823. Entretanto, o novo ministério − mais conservador até do que o chefiado por José Bonifácio − continuou a ser duramente fustigado por Soares Lisboa. 

Livre do seu espaçoso ministro, dom Pedro tratou de impor sua autoridade. Em 12 de novembro, dissolveu a Assembleia Constituinte por não aceitar as limitações ao seu poder e anunciou que promulgaria outra. Na sequência, indultou Soares Lisboa da pena de prisão a que fora condenado, determinando porém seu desterro para a Europa. Só aí, “rasgou-se o véu”, isto é, caiu a ficha para o cândido João: dom Pedro, que ele acreditava ser liberal desde criancinha, revelou-se um tirano, um despótico, um traidor. A última edição do Correio saiu a 24 de novembro, desancando uma portaria do intendente de Polícia que estipulava um prêmio de 400 mil réis para delações políticas sigilosas e anunciando o fim do jornal, com orientação aos assinantes para receberem as devoluções de dinheiro a que tinham direito. 

CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR


Cavalaria do Exército Imperial ataca os rebeldes da Confederação do Equador no Recife. Pintura de Leandro Martins, 1824. Imagem: Reprodução 

Em março de 1824, quando o navio inglês Tweed que o levava ao desterro na Europa fez escala no Recife, João Soares Lisboa fugiu de bordo e juntou-se aos companheiros da Confederação do Equador, rebelião republicana que estourara nas províncias do Norte, em dezembro de 1823, em oposição ao autoritarismo do herdeiro da dinastia dos Bragança. 

Nesse momento, Cipriano Barata, outro notável jornalista que combatia o absolutismo em seu jornal A Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, tantas vezes citado nas páginas do Correio, já estava preso. Cipriano e o frade Joaquim Maria do Amor Divino Caneca, veterano da Revolução Pernambucana de 1817, eram os principais ideólogos da insurreição, a quem Soares Lisboa se juntaria. Ele ficou hospedado na residência do comerciante e líder político republicano Manoel de Carvalho Paes de Andrade, que assumiria o governo da República de Pernambuco, em 2 de julho de 1824, e se tornaria seu secretário.

Em 19 de junho, João começou a editar no Recife o jornal Desengano aos Brazileiros, cujo título escancarava sua decepção com “a traição” de Pedro I. 

Na 1ª edição do jornal, cujas palavras iniciais são “Cobertos de luto pela destruição da brasílica Soberana Assembleia”, ele expõe sua decepção com o despotismo do soberano e desvela uma mudança de concepção, ao comentar os males políticos do momento, dizendo-se “convencido de que o defeito procedia do sistema (Monarquia) que seguíamos e havia adotado todo o Brasil”. Mas deixa em aberto a conclusão: “Resta escolher os meios e acertar com o verdadeiro caminho”. 

Ele explica haver decidido se incorporar aos rebeldes de Pernambuco, porque “nesta e províncias limítrofes (…) jamais poderia o Despotismo estabelecer seu Trono”. E faz ainda a observação de que não esquecera “de indagar quais eram os sentimentos do belo sexo, e tivemos a lisonjeira informação, de que (…) se haviam votado com o mais vivo entusiasmo à Liberdade da Pátria”. 

No suplemento ao número 2, de 4 de julho de 1824, admite: “Os brasileiros conheceram pela triste experiência que os malvados ministros d’Estado eram agentes do imperador e que tudo quanto praticavam era de ordem sua e mui positiva!”. E prega o federalismo, conclamando as províncias a se separarem do centro vicioso, a Corte do Rio de Janeiro, formando Estados independentes, coligados nos Estados Unidos do Brasil, em lugar conveniente. 

No nº 4, de 31 de julho, João assume clara posição antimonarquista: “Desenganai-vos de que não há um só Estado livre, onde o chefe do poder Executivo tenha o título de Rei ou Imperador”. Então, questiona o “defeituoso Sistema de Governo que tem por chefe um presuntivo herdeiro” e cita como exemplo virtuoso o regime republicano que “já domina em quase todo o Continente Americano, e segundo a Ordem da Natureza, brevemente dominará o resto”. Traduzindo: abaixo a Monarquia, viva a República! 

O Desengano só teve seis números, entre junho e setembro daquele ano, sem periodicidade certa, segundo alguns historiadores, mas existem apenas as edições de 1 a 4 e mais uma suplementar ao nº 2, na seção de Obras Raras da Biblioteca Nacional. 

Desengano aos Brazileiros teve seis edições, publicadas entre
junho e setembro de 1824. Imagem: Mônica Ramalho/Reprodução

Quando o exército imperial invadiu o Recife, João teve de parar o jornal e acompanhar as tropas rebeldes, que se embrenharam pelo interior buscando juntar-se aos confederados paraibanos e cearenses e organizar a resistência. Na localidade Couro d’Anta, a 141 quilômetros do Recife, em terras do hoje município de Riacho das Almas, os insurgentes sofreram uma emboscada, em 29 de setembro. Entre as baixas, estava o destemido João, atingido por uma palanqueta (projétil de artilharia) no vazio direito (região do tórax). Ele agonizou por 32 horas, falecendo a 30 de setembro de 1824. Frei Caneca estava ao seu lado e, no relato intitulado Itinerário, descreve os últimos dias do companheiro de luta: 

O caráter de um homem livre foi por ele sustentado com toda a dignidade até os últimos paroxismos da vida, a qual acabou recomendando aos que o rodeavam, que prosseguissem na defesa da liberdade. Mostrou toda a coragem, quando encarou a morte; fortificou-se com o Sacramento da penitência, único que lhe podia ser administrado: falou muito pouco nas horas que lhe restavam de vida; mas tudo quanto disse foi sólido e conceituoso. Recostado a um amigo e rodeado de outros (…) disse aos que o cercavam: “Morro nos braços da amizade!” Ele soube dar preço a este laço da sociedade. Foi enterrado no álveo do Rio Capibaribe.

HOMERO FONSECA, jornalista e escritor, autor de Tarcísio Pereira – Todos os livros do mundo, entre outros.

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