Curtas

Percursos de criação

O artista pernambucano José Patrício mergulha em seu processo criativo, celebrando mais de 40 anos de trajetória na arte

TEXTO Luciana Veras

01 de Setembro de 2021

Foto Cláudia Dalla Nora/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 249 | setembro de 2021]

Assine a Continente

De materiais, o artista visual pernambucano José Patrício entende e muito, posto que lida com a variedade: do papel artesanal aos dominós que o consagraram na convergência entre geometria e acaso, das peças de quebra-cabeça aos pregos, dos botões à madeira usada como suporte. Mas, nessas quase quatro décadas de produção, existia uma vereda da expressão artística na qual ele pouco, ou raramente, se aventurara. Não mais: acaba de ser lançado Percursos de criação (Edição do Autor, 2021), livro em que o artista visual, sob incentivo do Funcultura, mecanismo de fomento da Secretaria de Cultura do Governo de Pernambuco, parte da sua dissertação de mestrado para alargar o horizonte de apreciação da sua obra e mergulhar nos meandros dos seus processos criativos. 

“Como artista, confesso que nunca me preocupei em escrever. Essa foi minha primeira experiência sistemática”, revela Zé Patrício, como é conhecido, à Continente. Percursos de criação tem origem em Dos imperativos da ordem à afirmação do acaso em Ars combinatoria, trabalho defendido por ele no programa associado de pós-graduação em Artes Visuais UFPE/UFPB, no qual foi orientado por um outro artista, o paraibano José Rufino. “Na hora da dissertação, puxa vida, tive que tirar leite das pedras: fiquei doente, tive labirintite e até síndrome de intestino irritável. Este livro representa uma conquista, pois foi um desafio que me impus, e estou muito orgulhoso do resultado, ainda que um tantinho inseguro com suas prováveis fragilidades”, completa. 

Ele é modesto ao descrever a obra, uma robusta e esmerada publicação que reúne tanto aspectos autobiográficos – com a narrativa em primeira pessoa, Patrício nos deslinda seus primeiros passos, citando as aulas na Escolinha de Artes do Recife e o período em que foi sócio-artista na Oficina Guaianases de Gravura – como um olhar acurado para a sua produção artística, balizado por ele mesmo, em cotejo com autores que estudou, como Gilles Deleuze, Umberto Eco e Jean Baudrillard, e por trechos de análises anteriores. Passagens escritas por curadores como Cristiana Tejo, Moacir dos Anjos, Paulo Herkenhoff e Fernando Cocchiarale, entre outros, imbricam-se no tecido alinhavado ao longo de cinco capítulos.

 “Temas substanciais para a sua pesquisa são abordados no livro, tais como: vazio, excesso, quadrado perfeito, acaso, regra, cor, o dado artesanal e a vontade construtiva. Curioso porque, ao elencar essas categorias, percebe-se um conjunto de dualidades e como a sua obra percorre e se faz nessa constante relação de forças. Cria-se um campo de distinção ao compreender que seu trabalho não é um sistema automatizado, maquínico e objetivo. Pelo contrário, lança-se a uma estrutura aberta ao transitório e ao imponderável”, observa, no prefácio, Felipe Scovino, curador, professor e editor de Percursos de criação.


José Patrício reúne no livro Percursos de criação reflexões sobre sua pesquisa artística, já encampada há quatro décadas. Imagem: Divulgação

“Vejo o livro como um relato de como as coisas aconteceram e se encadearam, no meu trabalho, de uma forma muito orgânica”, percebe José Patrício. “A lógica do papel, da gravura, depois do papel artesanal, já anunciava, de uma certa forma, coisas que iriam acontecer, como meu interesse pela geometria e pelo construtivismo. O livro traz também a descrição das obras, como elas se constituíram, as descobertas, o que percebi no trabalho, em função dos elementos que os materiais me davam condições de desenvolver. O fio condutor, ao longo do tempo, é de uma certa coerência em relação às escolhas que fiz e às tentativas de experimentações, sempre com a ideia de reproduzir determinadas estruturas, como os jogos de dominó, mas também sempre aberto ao acaso e à aleatoriedade”, acrescenta o artista.

Imagens de obras como Ars combinatoria (em várias montagens), Conjuntos em progressão crescente, 280 dominós, Imago Mundi XII ou Expansão múltipla se fundem ao corpo do texto no projeto gráfico da Zoludesign, de Luciana Calheiros e Aurélio Velho. “O primeiro trabalho que fizemos com José Patrício foi o catálogo de uma exposição dele no Mamam, em 2000, ou seja, há mais de duas décadas. Então conhecemos sua visão minuciosa e isso facilitou, pois já existia confiança e intimidade com a sua obra. Vimos que havia em comum, sempre, nesse percurso por vários tipos de material, a meticulosa questão do geométrico e, especificamente, do quadrado. Como o quadrado está presente em tudo, fomos por esse lado para construir a malha gráfica, para que essa geometria quadrada ficasse visível mesmo quando ausente. O quadrado está em toda a estrutura – só escolhemos imagens quadradas, por exemplo”, situa Luciana.

A edição bilíngue de Percursos de criação tem coordenação editorial de Rafael Filipe Souza da Silva e da jornalista Olívia Mindêlo, editora da Continente Online, e foi impressa na Ipsis Gráfica, em São Paulo, em junho deste ano. Parte da tiragem será doada a escolas de arte e instituições de pesquisa, mas é possível adquirir um exemplar, ao preço de R$ 50, no site da galeria Nara Roesler (nararoesler.art) e, no Recife, na galeria Amparo 60 (amparo60.com.br), na Livraria Jaqueira e na loja Passadisco.

“Fico feliz em ter o livro em mãos e em poder compartilhar com as pessoas. Desde que terminei o mestrado e me aposentei da Fundação Joaquim Nabuco, em 2016, pude me debruçar com exclusividade a esse projeto, então este é o resultado de um período de intensa dedicação”, arremata José Patrício. E é espelho e índice de sua rica trajetória, agora compilada à altura de uma inventividade e talento sem igual.  

LUCIANA VERAS, repórter especial da Continente.

Publicidade

veja também

Raymond Williams, esperança radical como projeto intelectual

Paulo Bruno

Kafka e seus diários