Como reflexo da sua dedicação à música, durante a quarentena, para ocupar o tempo de isolamento, ela comprou violão e teclados novos, explorou as possibilidades dos instrumentos e voltou a estudar os sintetizadores através da linguagem MIDI, que a fascinou na época do disco Pierrot do Brasil (1998).
Essa imersão eletrônica é resgatada em Kilimanjaro, que também integra Motim, produzido por Marina e Alex Fonseca. “Música é um poço sem fundo, quanto mais você souber, mais fundo você vai. Com a pandemia, me perguntei: o que eu posso fazer para não ficar louca? Estudei mais música. Então, eu compus muito, mas não achava que seria bom lançar meus 21 discos online, através do songbook, e mais um álbum cheio novo. É muita informação e o mundo digital mudou as relações do mundo. Ninguém tem tempo mais”, justifica ela, sobre a escolha do EP com apenas quatro músicas que sintetizam a sua carreira.
O trabalho promete inaugurar uma nova fase para Marina, que está se desobrigando do compromisso de lançar álbuns longos a partir de agora. “Tudo isso era bom, mas eu sou uma pessoa muito curiosa a respeito do tempo em que vivo. Então, meu temperamento é de procurar novos formatos e tentar entender como posso pegar alguém pela minha música. Sou muito ligada no que acontece e não é à toa que tenho tanto fã jovem”, explica ela, que atualmente admira artistas brasileiros como Alice Caymmi, Letrux e Liniker. Nomes que dão continuidade a sua obra com a construção de uma música brasileira mais cosmopolita, cujos discursos de empoderamento e diversidade Marina lamenta ainda serem minoria entre a população.
“Eu acho que o Brasil encaretou de alguns anos para cá. Descobri um Brasil que não conhecia. Não sabia que tinha bancada evangélica, não sabia que tinha essa bancada de bala. Foi um susto muito grande descobrir que o meu país está assim. Já conheci governos mais de direita, mais de esquerda, conheci um monte de coisa, mas não conheci uma realidade social mais justa no Brasil. Tá aí uma coisa que eu ainda quero conhecer… Acho que o PT fez muito, mas não fez o bastante, não foi tão ligado na cultura do Brasil. Cultura é um negócio que vem com mais base e acho que, junto com o básico (saúde e educação) é o que faz o país ser o que é. Temos um talento enorme para o futebol e para a música, mas há tantas coisas em que a gente poderia ser genial e não nos é dada a chance de estudar isso. Então, eu espero, até o final da minha existência, conhecer muitos talentos no Brasil, que ainda não tiveram a oportunidade”, deseja.
PARCERIAS E SURPRESAS
Sobre o funesto cenário atual e a esperança em dias melhores, Marina compôs para o EP a eletrônica Nóis, que conta com a participação de Mano Brown. “Eu tinha essa música pronta e achei que ele ia gostar. Fora tudo o que ele representa, ele tem uma voz linda, tipo Milton Nascimento, e eu não sabia disso. Ele veio aqui em casa algumas vezes e ficou fazendo vocalizes enquanto ouvia a minha música e eu fiquei louca! Ele me seduziu como uma sereia”, relembra ela, que escreveu a letra de modo oferecesse espaços para a voz do rapper.
A aproximação entre a cantora e Brown remonta às gravações de Clímax, em 2011, pouco meses depois de Marina se mudar para São Paulo. No entanto, os dois se conhecem desde 1998, quando se encontraram em uma premiação da MTV. Na ocasião, a emissora articulou para os Racionais MCs fazerem sua primeira aparição na TV durante o evento e separou um espaço mais reservado para o grupo, do qual Brown faz parte. Em determinado momento da noite, Marina foi surpreendida por ele e a esposa, Eliane, que foram até ela só para dizer que eram seus fãs. “Fiquei abismada e alegre que um dos Racionais gostava de mim.”
Esse carinho e retorno do público foi o que deu gás à compositora para seguir adiante na carreira. “Eu só me dei conta que era uma artista aqui no Brasil quando comecei a viajar. Aonde eu ia, conheciam as minhas músicas, cada encontro era uma emoção”, diz ela, que fez sua primeira turnê através do Projeto Pixinguinha, em 1979, como convidada de Zezé Motta e Luiz Melodia. “Achava que era desconhecida, mas fui formando um público enorme que cantava tudo! Vi que era importante no meu país e que eu fazia a diferença na vida daquelas pessoas. Disso eu não abro mão e estou esperando voltar”, comenta, ansiosa pelos shows.
Porém, Marina não gosta de ser colocada em um pedestal, por isso foge do lugar da diva em que tentam lhe enquadrar. Quando se sentiu mais perto disso, como protagonista da superprodução do show de Abrigo (1995), a autora ficou deprimida. “Não me reconheci. Eu não seguia uma linhagem de cantoras, me via como uma pessoa esquisita que compunha, tocava violão, gostava de música eletrônica. Eu me via como uma nova música pop, já que não havia muitas”, observa.
Capa do EP lançado este ano, composto de quatro
músicas-síntese da carreira de Marina. Imagem: Divulgação
Sempre sincera, a artista prefere assumir as fragilidades e permitir um diálogo mais direto com os fãs, seja através de obras mais introspectivas, como o disco O chamado (1993), ou através de baladas mais populares, como Fullgás ou Virgem. Aliás, romances profundos e superficiais também marcaram a carreira da cantora, que agora homenageia essa faceta com a faixa-título de Motim. “Estou aprendendo que amor é uma coisa muito diferente do que eu imaginava”, adianta ela, sobre escrever sobre o tema na atual fase da vida.
“A primeira coisa com que entrei em contato foi o desejo, depois vivi algumas paixões, depois algumas relações que não eram tão apaixonadas, mas eram muito interessantes, tinha o sexo, uma intensidade. Descobri pessoas que eram gênios e não queriam tanto transar comigo, mas que eu era louca para ter a oportunidade de transar. Conheci muitas coisas na vida. Agora eu estou casada há oito anos com uma mulher que amo, que é interessante, inteligente, bonita, que não é óbvia, que sabe me levar. Pelo meu temperamento, que sou uma mulher que gosta da vida, acho que hoje tenho mais qualidade do que quantidade nas relações, no amor e até no sexo. Acho que tudo para mim é muito e pode ser ainda mais profundo. Eu sou uma eterna fascinada pela vida. Não sei quanto tempo isso vai durar, mas agora aos 65 anos é isso”, pontua.
CAMILA ESTEPHANIA, jornalista.