Com prefácio assinado justamente por Tárik, a biografia monta o perfil de uma mulher inquieta, sempre em busca do novo. Alguém que cantou músicas de Nelson Cavaquinho (1911-1986) e Elton Medeiros (1930-2019); inspirou o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianninha, a criar o show Opinião – no qual ela contracenava com o sambista Zé Kéti (1921-1999) e o cantor maranhense João do Vale (1934-1996); descobriu Maria Bethânia em Salvador e deu corda a um estudante de arquitetura acanhado, um rapaz chamado Chico Buarque, para continuar compondo. Essa lista conta também, claro, com o fato de, ainda na adolescência, ter sido anfitriã da nata da bossa-nova na sala de 90 metros quadrados de seu apartamento, no terceiro andar de um prédio na avenida Atlântica, em Copacabana.
O rompimento de Nara com a turma de velhos amigos é contado em detalhes no livro, que traz bastidores, por exemplo, de como dobrou o produtor e dono do selo Elenco Aloysio de Oliveira (1914-1995) a gravar seu primeiro disco, Nara (1964), com o foco em sambas de morro. “Isso é impressionante, porque ela sai da redoma, da bolha da bossa-nova, da qual era difícil sair. Se você for ver, os artistas da geração dela cantam bossa nova até hoje”, pontua Cardoso. “Ela sai da bossa nova, que era o amor, o sorriso e a flor, e vai se relacionar com o pessoal do Cinema Novo, do CPC, o Centro Popular de Cultura.”
A cantora abraça, então, outro grupo, mais engajado com pautas sociais: dá as mãos ao amigo Carlos Lyra, uma das figuras centrais do CPC, passa a namorar o cineasta Ruy Guerra, troca ideias com Glauber Rocha (1939-1981). E usa a voz para revelar injustiças do Brasil. Logo, igual a Bob Dylan ao eletrificar sua música (e o antecipando nisso), é tratada como traidora, principalmente, após matéria da revista Fatos & Fotos, na qual dizia que a bossa lhe dava sono.
A relação com a imprensa é outra faceta de Nara que ganha destaque. Sempre considerada recatada, ela se soltava diante da reportagem. Na mais famosa de suas entrevistas, em maio de 1966, criticava o regime militar, defendia um civil no poder e declarava ao Diário de Notícias que “os militares podem entender de canhão ou metralhadora, mas nada ‘pescam’ de política”. Ameaçada com um processo pelas Forças Armadas, ela ganha até poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) no jornal Correio da Manhã, em um pedido ao presidente Castello Branco (1897-1967) para não a prenderem. Nara escapa da cadeia e do título de “musa da canção de protesto”, cansada do engajamento obrigatório.
Repleta de histórias musicais, amorosas (casou-se com Cacá Diegues, com quem teve dois filhos) e políticas, Nara Leão já tem caminho livre para alcançar outro meio de comunicação. Segundo Cardoso, ela agora vai também ao cinema. “Eu vendi os direitos para o Maurício Farias, que fez um filme sobre a Hebe Camargo”, antecipa, sobre o diretor de Hebe – A estrela do Brasil, de 2019.
FERNANDO SILVA é jornalista.