Já a primeira matéria nas funções de fotógrafo e redator na revista sairia só em maio de 1949: O drama de Orós tratava do abandono da construção do açude localizado no Ceará. Dali para virar integrante fixo no expediente da publicação foi um pulo, ainda em outubro daquele ano.
E Carneiro não parou mais. Designado correspondente na Ásia, em 1951, o repórter cobre a Guerra da Coreia por vários ângulos. Retrata a destruição de Seul, a morte de soldados, a solidariedade de uma mulher amamentando o bebê de outra e o misto de obstinação e esperança da refugiada que volta à sua terra. Com brevê de paraquedista, ele fotografa ainda do ponto de vista de quem precisa pular do avião para combater no front, o que faz em pleno salto junto a tropas norte-americanas na Operação Tomahawk, em abril de 1951.
Todas essas imagens e reportagens do conflito estão na obra, assim como os trabalhos de Carneiro acerca da Revolução Cubana. Em janeiro de 1959, ele testemunha a entrada triunfal de Fidel Castro (1926-2016) em Havana, sendo saudado por uma multidão, sem deixar, porém, de apontar a máquina para as mulheres integrantes do exército revolucionário, por exemplo. Acompanha também, em maio do mesmo ano, a visita do líder cubano ao presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) em uma Brasília em construção.
Como explica o organizador do livro e coordenador de fotografia do IMS Sergio Burgi, em seu texto Imagem e engajamento: O fotojornalismo humanista de Luciano Carneiro, na introdução, ele era um dos expoentes de uma renovação em O Cruzeiro, junto com outros repórteres, como José Medeiros (1921-1990) e Henri Ballot (1921-1997). “De origens diversas, todos passaram a integrar a equipe da revista, conferindo às fotorreportagens maior ênfase na objetividade e no caráter documental e jornalístico.”
Fotos produzidas entre 1942 e 1959 estão reunidas em livro publicado pelo IMS. Imagens: Divulgação
Apaixonado por voar, inclusive, tendo licença para pilotar aviões, Carneiro focava as atenções ao rés do chão quando empunhava a câmera. Era a vida cotidiana o que mais lhe interessava. Em estilo direto, captava o franzino trabalhador e sua carroça cheia de sacos de arroz em Taiwan, as mergulhadoras da coleta de ágar em Hatsushima, no Japão, e cidadãos comuns em uma sala de espera de cinema ou dentro da igreja, na missa, em Moscou, na União Soviética.
A modernidade do trabalho do cearense – priorizando flagras do dia a dia e a construção de narrativas visuais – seguia os passos da de profissionais do porte do norte-americano W. Eugene Smith (1918-1978) e do francês Henri Cartier-Bresson (1908-2004), com quem Carneiro teve a oportunidade de conversar, na agência Magnum, em Paris, em 1954.
Na entrevista, publicada em 1956 na coluna Do arquivo de um correspondente estrangeiro, que o brasileiro assinava em O Cruzeiro, Cartier-Bresson definia a reportagem fotográfica como “uma operação conjunta de olhos, coração e inteligência”, na qual se fotografa o que vê, “mas o que você vê – isto depende de quem você é”. Aos propósitos autorais sugeridos ali, Carneiro acrescentava que o lema de um de seus mestres era o “respeito à realidade”.
Tal preceito norteava, logo de cara, a matéria produzida por ele sobre a rebelião de posseiros ocorrida em Trombas (GO), em 1957, na qual primeiro reproduzia texto de jornal que acusava os agricultores de serem comunistas, audaciosos e violentos, e depois relatava o encontro com o líder camponês José Porfírio de Souza (1912-1973) e suas tentativas de legalizar as terras em que vivia.
Ver agora aquelas imagens feitas por Carneiro significa conhecer mais da luta agrária no Brasil, além de relembrar a figura de Porfírio, eleito deputado estadual em Goiás, cassado pelo golpe de 1964, perseguido, preso e considerado um desaparecido político do regime militar.
Assim, o livro proporciona um mergulho na obra de um fotojornalista engajado com seus temas e seu tempo, de um inimigo do flash e de alguém que preferia, como ele mesmo disse, “arrancar minhas fotos da própria vida, ao natural”. De bandeja, oferece grandes histórias fixadas pelas lentes sem amarras de Luciano Carneiro.
FERNANDO SILVA é jornalista.