Sua indagação faz bastante sentido, não apenas porque ele, Amanda Beça, Vinicius Gouveia e Thais Vidal pensam o festival que produzem como um organismo vivo e atravessado pelas questões do seu tempo, mas principalmente porque cinema e universidade pertencem à infantaria contra a qual o atual governo do Brasil não cansa de disparar. Assim, outra interrogação se impõe: como o cinema responde a essas questões de emergência?
Tanto a competição nacional, com 24 curtas-metragens, como a internacional, com duas dezenas de filmes, jogam um olhar sobre a produção realizada no âmbito das universidades – não apenas de cinema, é bom frisar – de 2017 para cá. “O único critério para a inscrição é se tratar de uma produção universitária, não importa de que curso, pode até ser de Engenharia. Estamos felizes, pois a competição terá 24 obras nacionais representando todos os estados do país. Não que isso tenha sido uma prioridade, mas o fato nos alegra”, pontua a cocuradora Amanda Beça.
Ela, Txai e Vinicius se aproximaram no campus da UFPE, na turma de Cinema, e conheceram Thaís, aluna de Jornalismo, em um curso de extensão que fizeram juntos. A amizade se transformou em parceria quando decidiram, em 2014, cavar um espaço para exibir apenas filmes feitos por estudantes. Hoje, já não mais universitários, seguem com foco na difusão do audiovisual produzido no ambiente acadêmico. Para viabilizar o 4º MOV, buscaram e receberam recursos estaduais via edital do Funcultura e testemunharam 365 obras inscritas apenas para a mostra competitiva brasileira, em uma evidência de que ainda é preciso expandir o circuito de exibição para tais trabalhos.
A sessão de encerramento será no Cinema São Luiz, com Uma juventude alemã. Foto: Divulgação
“O festival é uma janela e, nesse contexto de renovação de universidade pública, com o ingresso de mais estudantes através das cotas, existem novos sujeitos fazendo filmes. Nada mais sensato que o festival trazer esses novos olhares. Percebemos muito a latência dos novos sujeitos e temas como feminismo, o movimento LGBT+ e o cinema negro aparecem muito”, observa Txai à Continente. Amanda complementa: “Recebemos muitos filmes protagonizados por mulheres negras, como Eleguá, de Rio de Janeiro, que aborda o problema da saúde mental da mulher negra”.
A sessão especial de abertura vai exibir Onde começa um rio, dirigido por Julia Karam, Maiara Mascarenhas, Maria Cardozo e Pedro Severien. O documentário acompanha as ocupações estudantis universitárias de 2016 contra a Emenda Constitucional 95, que congelou investimentos sociais por 20 anos. O longa-metragem Uma juventude alemã, de Jean-Gabriel Périot, coprodução franco-germânica com ricas imagens de arquivo sobre as origens estudantis do grupo Baader-Meinhof, encerrará as atividades no Cinema São Luiz, dia 13 de julho, às 19h. “O filme propõe um recorte histórico de como os estudantes sentiam e pensavam a política naquele momento”, situa Txai Ferraz. No dia seguinte, haverá, ainda, uma sessão a céu aberto no bairro do Arruda, de filme a ser definido.
Ainda entre os destaques da mostra, o MOV Acampa, uma iniciativa para potencializar o intercâmbio entre os realizadores por meio de hospedagem gratuita em alojamento em um prédio na Cidade Universitária. “Quando estivemos na SUA – Semana Universitária do Audiovisual, em 2014, em Niterói, vivenciamos essa experiência de ter estudantes do Brasil inteiro mostrando e discutindo seus filmes. A parceria com a UFPE possibilita que o MOV ajude qualquer estudante e profissional do audiovisual a participar desta edição”, explica Amanda.
No mundo inteiro, o cinema e a universidade são vistos como espaços cruciais para a partilha do político, do estético e do sensível. No Brasil de 2019, mesmo com a educação sob ataque, a permanência do MOV amplifica a resistência da arte. Veja a programação completa no site do festival.
LUCIANA VERAS é repórter especial e crítica da Continente.