Em 2019, o audiovisual brasileiro aparece com presença relevante. Marighella, de Wagner Moura, será exibido hors concours na mostra principal, a Wettbewerb, enquanto dois títulos nordestinos estão na prestigiada quadragésima edição da Panorama: Estou me guardando para quando o Carnaval chegar, do cineasta pernambucano Marcelo Gomes, e Greta, do realizador cearense Armando Praça.
Marighella é protagonizado por Seu Jorge. Foto: Ariela Bueno/Divulgação
Marcelo Gomes retorna a Berlim dois anos depois de exibir Joaquim na competição. Ele não é novato em festivais estrangeiros: seu primeiro longa, Cinema, aspirinas e urubus (2005), estreou em Cannes, na Un certain regard, e Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), codirigido com Karim Aïnouz, passou na Orizontti, no Festival de Veneza, sendo premiado em Havana, e Era uma vez eu, Verônica (2012) teve exibições em Toronto e San Sebastián. Mas estar na #Panorama40 tem um significado especial. “É uma mostra política, que possui uma tradição de selecionar filmes que buscam refletir sobre os caminhos da linguagem cinematográfica, e nela vou exibir um documentário que tem como personagens principais minhas memórias e eu”, afirmou Marcelo.
Em Estou me guardando para quando o Carnaval chegar, que está no festival já com distribuição pela Vitrine Filmes, o diretor assume não apenas o tom confessional, mas o próprio leme, ao comandar uma narração em off, para falar de Toritama, cidade do agreste pernambucano que ele costumava visitar na infância com seu pai, José, um coletor fiscal.
“A cidade é a capital nacional do jeans, responde por 20% da produção nacional, com mais de 20 milhões de peças produzidas a cada ano, mas passa por um processo de industrialização arcaico, como se nela o passado se encontrasse com o futuro. Nesse momento de mudança das leis trabalhistas, as pessoas de lá são sujeitos do desempenho: autoescravizam-se, acordam e dormem para trabalhar. Acho que o filme propõe uma reflexão sobre tempo, liberdade, globalização e essa nova faceta do neoliberalismo”, observa à Continente.
Assim como o documentário de Gomes, Greta tem o selo da Carnaval Filmes, nova empresa do pernambucano João Vieira Jr., após décadas como uma das principais referências na produção cinematográfica na REC Produtores Associados. No enredo, Marco Nanini interpreta Pedro, um enfermeiro homossexual que é fã da atriz Greta Garbo e se arrisca no emprego para liberar uma vaga a uma amiga que precisa ser hospitalizada. Para isso, no entanto, deve se envolver com um outro paciente acusado de assassinato. É o primeiro longa de Armando Praça.
Da Berlinale Shorts, a competição oficial de curtas-metragens, constará Rise, o novo trabalho da dupla de artistas visuais radicada no Recife: Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. Uma coprodução entre Brasil, Canadá e Estados Unidos, a obra embaralha as divisas entre artes visuais e cinema, da mesma forma que Estás vendo coisas (2016) e Terremoto santo (2017), que estiveram na competição em 2017 e 2018, respectivamente. Numa estação de metrô na periferia de Toronto, vários jovens fazem performance mesclando as linguagens da poesia, do hip hop e do rap. Eles são “sujeitos pós-coloniais”, como diz de Burca, filhos de gerações de imigrantes que buscaram no Canadá um lar. “Filmamos em um espaço futurista, abstrato, uma passagem que reflete bem a forma de vivenciar as experiências que aqueles jovens assumem”, completa o diretor à Continente.
Novos filmes de realizadores como François Ozon, Fatih Akin, Lone Scherfig, Agnieszka Holland, Wang Xiaoshuai e Isabel Coixet estarão na competição pelo Urso de Ouro. Outras obras terão sua première mundial em exibições especiais, a exemplo do novo documentário da realizadora francesa Agnès Varda, Varda par Agnès. Assim como Marighella, será mostrado hors concours na Wettbewerb. “Berlim é, de todos os grandes festivais, o mais político. Faz todo sentido que Marighella estreie lá”, declarou o ator baiano Wagner Moura em janeiro, tão logo o festival anunciou que exibiria sua primeira incursão na direção.
Na cinebiografia de Carlos Marighella (1911-1969), a lenda na guerrilha contra a repressão nos anos de chumbo da ditadura militar brasileira é vivida por Seu Jorge. “Marighella fala da eterna luta pela liberdade e pelo progresso e das lutas em geral do povo brasileiro – um povo guerreiro e trabalhador, marcado pela superação”, pontuou o ator e cantor. Vale lembrar que, como capitão Nascimento, personagem emblemático cujo discurso fascista muito lembra o país de hoje, Wagner Moura protagonizou Tropa de elite, de José Padilha, que levou o Urso de Ouro na Berlinale 2008.
Para olhares e perspectivas sobre os filmes que apontam para passado, presente e futuro de um mundo em contradição, visite o site da Continente a partir de 7 de fevereiro, através do linkrevistacontinente.com.br/coberturas/berlinale-2019.