Ensaio

Coisa mais estranha, um poema enquanto lido

Encontros entre poetas e músicos contemporâneos reverberam performances, palavras e sonoridades que ampliam as possibilidades da apresentação ao vivo da criação poética

TEXTO CARLOS GOMES

01 de Dezembro de 2018

Angélica Freitas e Juliana Perdigão em performance poético-musical

Angélica Freitas e Juliana Perdigão em performance poético-musical

Foto Ricardo Moura

[conteúdo exclusivo para assinantes | ed. 216 | dezembro de 2018]

A poesia é amálgama. Da escuta, oralidade, narrativa. Dos cantos, vozes heroicas e os séculos repletos de geografias e espaços ficcionais. Do objeto, da grafia, do registro tipográfico, do vazio da página. O registro do poema no impresso molda uma visualidade, estabelece a partir do códice uma estrutura, em suma, uma outra espacialidade. Oralidade e visualidade se imbricam. Da colagem, do concreto, do eletrônico. Verbivocovisual, eis a palavra. O poema se move entre sons e visualidades. O corpo do poeta desaparece. A sua voz reaparecerá em outros cistres, trovadores, violas, violeiros, cantadores, repentistas. Como métrica, repete, entoa os séculos em estruturas que começam a moldar outras narrativas. Enquanto o corpo adormece. Uma pedra desce o morro, novamente.

No Brasil, a canção popular vai se configurando de modo que os compositores de canções, ou mesmo somente os letristas, desenvolvem maneiras de fazer da palavra cantada – expressão usada por Caetano Veloso – a sua matéria-prima. Seu chão. Terreno esse repleto de poema e prosa. No entanto, essa prosódia criou um modo MPB, uma referência que em muitos casos acabou limitando a percepção, ou mesmo a potência de outros modos de entonar a palavra. O padrão estético – profundo, vigoroso, rigorosamente inventivo – revelado pelo canto de João Gilberto abriu uma fenda no modo de cantar “poesias”. (Em algumas entrevistas, João se referiu a letras de música como poesias. A poesia da canção, muitas vezes como sinônimo de a letra da canção.) O que criou uma série de imitações, de reverberações de padrões, de modos bossa nova e, posteriormente, MPB de cantar.

Com sorte, essa fenda foi se alargando e pudemos ver/ouvir invenção em cantos tão díspares quanto os presentes na prosódia do funk, do sertanejo, do rap, entre a fala mais ríspida e a entonação melódica, do brega, dos cantos de matriz africana, como os presentes nos grupos Metá Metá e Bongar, ou na experiência de Juçara Marçal com Cadu Tenório no álbum Anganga (quintavant/qtv, 2015), ao reinterpretar vissungos (cantos de trabalho) e cantos do Congado Mineiro.

Ainda há outro movimento da entonação, vinda da experiência mais investigativa-poética do grupo Rumo, e de artistas como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé. Falar é cantar. De outro ponto, a voz de Milton Nascimento, a de Naná Vasconcelos, enquanto voz-corpo, é um modo de falar o canto, expandir a palavra enquanto texto – texto poético, de sentido múltiplo. Falar é cantar, vocalizar é cantar, grunhir, gemer também são formas de cantar. O corpo fala e canta.

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