ILUSTRAÇÕES HALLINA BELTRÃO
01 de Setembro de 2018
'Vidas secas', de Graciliano Ramos, e 'Luvina', de Juan Rulfo, revelam a despersonalização do Estado na vida comum
Ilustração Hallina Beltrão
[conteúdo exclusivo para assinantes | ed. 213 | setembro 2018]
Pode caber à literatura explicar com humanidade profunda um dos grandes assuntos da vida e da ciência política, quer dizer, o pensamento sobre a verdadeira natureza do Estado e sua matéria sensível ao sujeito comum. Sobre isso, e com acerto, é normal que se pense de primeira na ficção de Franz Kafka (especialmente n’O castelo e n’O processo) como representante máxima dessa relação conflituosa — poder x indivíduo — e, no caso da obra do escritor tcheco, como a expressão mais aguda sobre o que se tornaria a realidade do Estado no século XX.
Ocorre que, por mais precisa que seja a descrição que faz Kafka sobre o Estado moderno, o que encontramos em seus romances é primordialmente a sua face urbana, em processo crescente de industrialização, cujo sentido vertiginoso e dolorosamente impessoal Kafka soube captar.
Na literatura latino-americana, por outro lado, é possível observar em Vidas secas, de Graciliano Ramos, e em Luvina, conto de Juan Rulfo, dois exemplos (assim como outros tantos possíveis) que correspondem ao problema da aparência e da vida apreensível do Estado em sua versão não urbana. Onde em Kafka o problema do Estado está em sua medida ubíqua de irracionalidade, em Graciliano Ramos e em Juan Rulfo, o reflexo do Estado na vida individual de seus personagens está na absoluta distância. Está na sensação do remoto, da indiferença, cuja moldura é preenchida pela rigorosa ação da natureza. Pois, não havendo Estado que o faça, quem organiza os afetos é o clima.
Impõe-se o problema.
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