O Diógenes Arruda de volta a Pernambuco no ano de 1962 para auxiliar o governador Miguel Arraes na Prefeitura do Recife não impressionava Terezinha pelo status de verbete vivo da história política brasileira no século XX. Com o irmão Murilo Costa Rêgo, deputado federal e líder do PTB no governo Jango na Câmara, roçando copos de uísques com altos figurões da República, a moça estava acostumada a ver a história nacional ligeiramente ébria na sala de casa.
A presença grave do homem lhe pareceu mais impactante que sua aura histórica. Terezinha teve a impressão, ainda que leve, de estar diante de um “cavalo de raça”. Não entendia como aquela presença a perturbava.
Com as filhas pequenas e a casa permanentemente cheia de amigos emendando almoços com jantares, vários deles colegas da festiva Escola de Belas Artes do Recife, Terezinha tinha a vida pesada de uma dama da elite pernambucana. A convivência eventual com artistas interessados em quebrar os cânones da pintura acadêmica, como Lula Cardoso Ayres, Wellington Virgulino, Vicente do Rêgo Monteiro e Francisco Brennand, e os mais novos Adão Pinheiro e Maria Carmem, entre outros, a ajudavam eventualmente a levar a imaginação para além dos portões de ferro diante do casarão. Mas suas grandes obrigações diárias oscilavam entre escolher a joia para adornar os abismos do colo e o bordado dos guardanapos do jantar.
Membro da paisagem social da cidade, a amiga Margarida Arruda decidiu levar o irmão Diógenes a um dos eventos na casa da Terezinha, já de sobrenome Costa Rêgo Gondim, onde a alta sociedade recifense tinha um de seus microcosmos. Seria apenas mais um entre os artistas, políticos, usineiros e desocupados nascidos em berço de açúcar flanando pela tapeçaria doméstica naquela noite do ano de 1962. Não foi. Tereza lembra:
A sociedade pernambucana passava o dia e a noite chaleirando Diógenes. Ele era um assunto público. Quando Prestes foi preso, Diógenes era o primeiro secretário do Partido, tinha havido o racha no partido por causa da União Soviética. Prestes foi para um lado, Diógenes e João Amazonas foram para outro. Ele também era muito elogiado por seu comportamento na prisão. Foi torturado, mas não falou uma palavra sequer sobre os camaradas. Depois, ele foi de estado em estado reorganizando o partido em 1950. Foi um dos deputados federais mais votados do país. Naquela época, depois de Vargas, o Partido Comunista tinha muita força no Brasil.
Na legalidade e a serviço de um governo democraticamente eleito em Pernambuco, era um Diógenes Arruda de vida imensamente mais calma aquele que apareceu na casa de Terezinha Costa Rêgo Gondim numa noite de 1962 já perdida na memória da artista. O comunista dava lugar para o engenheiro Diógenes Arruda se expressar estruturando o planejamento da Prefeitura do Recife. Era, agora, um técnico quem vestia o político.
A biografia de Arruda somada ao prestígio oficial com o governador de Pernambuco não permitia, em hipótese, o anonimato na vida provinciana do Recife dos anos 1960. “Diógenes Arruda era uma espécie de mito no Recife”, segue a ex-eterna residente de todas as listas das dez mais elegantes nas colunas dedicadas à vida mundana da elite forjada na cana-de-açúcar.
Dia sim, dia também, os olhos sorridentes na face alva de Terezinha decoravam a página de amenidades assinada por Altamiro Cunha no Jornal do Commercio. Embora não frequentasse com a mesma assiduidade a coluna social, Diógenes Arruda era também visto por todos no Recife. E ele enxergava Tereza como ninguém parecia enxergar.
Um dia, com a força que só as paixões parecem ter na quebra das expectativa sociais, a lâmpada finalmente foi acesa. “Eu já disse várias vezes que sou um bicho. Foi uma coisa muito violenta. Fiquei doida, e ele também; a danação foi enorme”, classificaria Tereza.
Diógenes confessaria: “Ele me disse que assim que me viu teve certeza de que casaria comigo”. O comunista icônico e ateu erguia em Tereza seu altar. Seria uma espécie de pai das mulheres que ela viveria dentro de si.
Na companhia de Diógenes, a dama proverbial do Recife largaria a vida mais de tafetá e porcelanas que de pele, ideais e suores, despindo-se da genética social mais impositiva. Quebraria, de vez, o piano da sala para o qual nascera como enfeite. Os cacos do piano, contudo, ficariam quebrados por algum tempo, até que os dois pudessem juntá-los sob o mesmo cobertor. Nem tanto pelo fato de Tereza estar casada com Gondim – este seria um empecilho mais fácil de contornar. Fatos turbulentos no palácio onde um amigo de ambos governava o estado de Pernambuco colocaria aquela paixão em banho-maria.
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