Chegado o dia da visita à casa do escritor, os estudantes foram recebidos pela avó de Juan Manuel, que abriu a porta. Bombons importados aguardavam numa bandeja como boas-vindas. As crianças, por sua vez, levaram um pacote de Sugus (bala popular na Argentina). O escritor estava sentado numa poltrona verde, com seu bastão apoiado ao lado, numa sala solene de piso de madeira e adornada com uma enorme cortina. Imagem guardada como uma fotografia na mente de Matías. A casa de Borges, num bairro portenho senhorial e conhecida por ter uma abundante biblioteca, com livros do mundo todo, era por si só um grande passeio para o grupo.
Após perguntar o nome de cada um dos expectadores, o anfitrião confessou que antes de que eles chegassem ele tinha dois medos. O primeiro era que as crianças fossem, já que ele não saberia o que falar para estudantes do quarto ano. O segundo, ainda maior, era que elas faltassem ao encontro marcado. Portanto, agora, disse, estava feliz pois elas haviam ido.
Ciente de que sua figura provavelmente impressionaria os visitantes, Borges finalmente disse: “Vou contar para vocês como consegui viver tantos anos”. Aqueles olhinhos que vagavam pelos detalhes da elegante casa, pousaram então expectantes sobre ele. Daí em diante, Borges começou a fazer o que havia feito a vida toda: contar histórias.
Falou que, na enorme casa em que vivia quando pequeno, no Bairro de Palermo, havia um chafariz de onde retirava água. Todas as casas do lugar tinham um poço, abastecidos pela mesma lagoa. Acontece que um vizinho colocou tartarugas no poço, com a ajuda de um balde amarrado a uma corda. Com a luz que lhe chegava de todos os chafarizes, as tartarugas nadavam contentes, levantando a cabeça de vez em quando, espetáculo que os moradores apreciavam de lá de cima.
Certo dia, ao refletir sobre essa curiosa fauna que habitava a Lagoa de Palermo, Borges deduziu que não bebia qualquer água, mas, sim, água de tartaruga. E que, como elas viviam muitos anos, provavelmente teriam transmitido a ele a mesma fortuna.
Não se sabe até hoje se ele criou essa história ou se se baseou no livro de Mujica Lainez El hombrecito del azulejo, que também fala de um poço e suas tartarugas. Borges e Mujica faziam parte do mesmo grupo de finos intelectuais da sociedade portenha, que frequentavam os mesmos ciclos e mantinham posições políticas polêmicas e semelhantes. Borges morreria em 1986, aos 87, em Genebra, onde foi sepultado.
O extraordinário segredo da longevidade intrigou os alunos, que retornaram andando à escola, próxima àquela casa. O conto do chafariz e a água das tartarugas voltaria à tona em muitas conversas entre Matías e Juan Manuel, como este ano, quando o autor levou ao amigo o livro que acabara de publicar.
Juan Manuel, que quando menino não tinha noção da extraordinária casa em que vivia, que o velho Borges era um escritor famoso e que fazia as tarefas escolares rodeado por uma invejável biblioteca universal, ficou feliz em ver em livro um lapso da sua infância. El secreto de Borges voltaria a unir, então, as vidas daqueles dois amigos de escola e praça, de certa forma separadas pelo destino.