De volta ao solo, há conexão direta para o Dubai Mall, até 2013 o maior shopping center por área construída do mundo, quando o ultrapassou o New Century Global Center, em Chengdu, na China. Ainda assim, são impressionantes 1.124.000 m². Em 2016, o centro comercial recebeu nada menos que 80 milhões de visitantes, de acordo com Mohamed Alabbar, no comando do grupo Emaar Malls. “Somos o mais visitado destino de varejo e estilo”, ufana-se. O complexo de entretenimento oferta 22 salas de cinema, 120 restaurantes, 1,2 mil lojas e 14 mil vagas de estacionamento. Ostenta, ainda, um aquário de extravagantes dimensões: 10 milhões de litros de água para 33 mil animais marinhos de 300 espécies diferentes.
Embora abrigue também um hotel de luxo com 244 suítes, o viajante em busca de exclusividade faz check-in mesmo em outra paragem. Conhecido como o único sete estrelas do mundo, o Burj Al Arab tem como menor suíte um quarto nada modesto de 169 m². O maior deles pode chegar a 780 m². Erguido em uma ilha artificial a 280 metros do continente, o hotel é destino certo de chineses com orçamento polpudo. De acordo com o Jumeirah Hotels & Resorts, responsável pelo empreendimento, no ano de 2011, as reservas feitas pelo mercado chinês chegaram a 25% da totalidade. No câmbio atual, uma diária na famosa Royal Suite sai em torno de R$ 80 mil.
Toda essa megalomania tem origem em oito letras: petróleo. A história remonta aos anos 1960, quando a procura por jazidas era ainda uma obstinação. Em 1966, foram, enfim, localizadas, possibilitando as exportações já a partir de 1969. A década de 1970, portanto, colheu os frutos desse investimento. Com a formação dos Emirados Árabes Unidos em 1971, após a independência à Inglaterra ter sido declarada, Dubai logo se posicionou como a capital econômica, sendo Abu Dhabi a capital política. Os altos preços do petróleo propiciaram a modernização da cidade, o que atraiu, e segue atraindo, de investidores de terno e gravata a trabalhadores braçais do Oriente Médio. Uma olhadela nos dados demográficos ajuda a entender seu crescimento meteórico. Em 1977, a população, que em 1969 era de apenas 59 mil pessoas, chegou a 207 mil. Em 1990, bateu a casa do meio milhão.
Hoje, o curioso é que a indústria petrolífera representa menos de 5% do PIB, já que o lucro de turismo, comércio, aviação e construção civil disparou nas últimas décadas. Apesar de o centro financeiro estar repleto de arranha-céus, ainda há muito onde se construir. E as multinacionais agradecem. A consequência da entrada do capital estrangeiro não apenas impulsionou o setor econômico, mas acabou também incitando a mistura de culturas que já se vê nas ruas de Dubai. Ali, a monarquia pode até ser absolutista, mas é o capitalismo que é selvagem.
Muçulmanos devem seguir o riscado no que diz respeito a vestir burcas e túnicas, espelhando a tradição que os antecede. Por outro lado, aos estrangeiros fica permitido, por exemplo, tomar sol em trajes de banho em frente ao mar do Golfo Pérsico. Biquíni, no fim das contas, é sinônimo de dinheiro no caixa.
LADO B
Esse convívio calculado ajuda a decifrar um pouco esse lugar no qual tradição e modernidade se equilibram numa corda bamba em que, quase sempre, a segunda opção sai vitoriosa. Uma das formas de se livrar do tal crachá de figurante é rumar para as margens do Dubai Creek, uma laguna que faz as vezes de canal navegável. Em sua margem sul, a Dubai antiga respira. Distante do reduto hoteleiro, o centro histórico é formado por uma arquitetura de traçado árabe, onde mercados de rua não precisam rivalizar com shopping centers.
Na margem norte do Dubai Creek, o universo árabe ganha ainda mais robustez. Os barquinhos de madeira que fazem a travessia são chamados de abras. Seu trajeto dura alguns minutos e custa apenas um dirham, a moeda local, equivalente a R$ 1. Do outro lado, as ruas vão ficando mais estreitas, os restaurantes, menos sofisticados, e o trânsito, mais caótico. O atrativo de Deira, como essa região é chamada, são os soukhs tradicionais: mercados de especiarias, tecidos e ouro. A ressalva, aqui, é o assédio dos vendedores. Depois da abordagem intrusiva, vem a fase da negociação. Um teatro de barganha que só termina quando o cliente ameaça ir embora sem comprar.
A ida ao deserto de Rub’ al-Khali, por sua vez, deveria ser mais uma oportunidade para fugir do quê ocidental que impera na área urbana de Dubai. O passeio, em tese uma imersão na cultura beduína, pode frustrar quem esperava mais simplicidade ou menos afetação. Diariamente, por volta das 14h, uma manada de jipes 4x4 parte dos hotéis em direção às dunas no entorno da cidade. Passeio no dorso de camelos, jantar típico sob tendas e apresentação de dança fazem parte do pacote para gringo ver. A bebida alcoólica, inclusive, tem livre circulação nessas ocasiões – o que é uma exceção, já que em Dubai cerveja, uísque, vinho e afins só podem ser consumidos em bares e restaurantes localizados dentro de hotéis. A orla da praia, por exemplo, está recheada de quiosques. Mas o teor alcoólico é nulo.
A mão de obra que possibilita o bate-estaca de arranha-céus, a condução dos jipes 4x4 e os garçons de bares sem cerveja vem, em sua maioria, de países como Bangladesh, Etiópia e Paquistão. Esses trabalhadores – a mídia internacional vem denunciando –, invariavelmente, sofrem com más condições de trabalho, sobretudo na construção civil. Quando perguntei se o taxista que me levava ao aeroporto era natural de Dubai, ouvi um “quem é daqui não dirige táxi, moço” como resposta.
Prosperar, segundo o paquistanês, é missão quase impossível. A menos que você seja um executivo europeu ou um milionário indiano, dois dos perfis mais comuns nos bairros-bolha de Dubai. “Preciso renovar meu visto de trabalho a cada dois anos e isso custa caro. Sem falar que esse mesmo visto não me permite estudar. Ou seja, não tenho muito o que fazer.” Como a segurança é infinitamente superior a de seus países de origem, esses trabalhadores vão ficando – ainda que nas franjas desse capitalismo blade runner. Mas, afinal, quão futurista uma cidade pode se proclamar, quando parece ainda enfrentar problemas de um passado onipresente?