As matrizes de natureza política e subjetiva, como a Literatura, por exemplo, na conjuntura global, também possuem raízes históricas que contribuem para compreender as tensões e distensões de um sujeito que não pode, em absoluto, dar conta isoladamente de sua totalidade. Por meio de narrativas, a noção de colonialidade – do imaginário – ainda se faz presente e, inevitavelmente, relaciona-se a uma diplomacia perversa que aproxima territórios e pessoas, mas incute violências ao não reconhecer, ou reconhecer parcialmente, valores e tradições culturais distintos.
Tomando-se como referencial o interesse pela contribuição epistemológica e vivencial de “afrossaberes”, considerando-os de suma importância, principalmente se enunciados a partir de seus próprios sujeitos e produções, oportunizam-se valores e representações ignoradas por muitos. É dessa maneira que se tornam pertinentes questionamentos sobre a importância de revisar, e reavivar, histórica, epistemológica e vivencialmente, as disposições sobre o patrimônio crítico e criativo que tornam invisíveis autonomias de vozes e corpos independentes, entre América e África espanholas, que se interseccionam por similaridades em naturezas políticas, históricas e linguísticas. Vislumbra-se, como objetivo, reconhecer nas aproximações estéticas e culturais entre os dois espaços, latino-americano e africano, a oportunidade de repensar-se e reconhecer-se a partir das próprias experiências históricas e difundir valores negligenciados por uma herança colonial comum em seus métodos e ações.
Para Boaventura de Sousa Santos (2014), a revisão de epistemologias modernas apresenta-se como desafio teórico para dar inteligibilidade a um mundo que, apesar de diverso, ainda possui dificuldades em articular-se como tal. A ideia também se legitima pela busca do reconhecimento de contribuições culturais africanas com vistas a dar uma maior visibilidade ao negro no processo de formação social e literária em âmbito de alcance local e global. Trata-se de um desafio ético, na medida em que se observa o silenciamento de ancestralidades por condutas politicamente questionáveis que até os dias de hoje esvaziam, gradativamente, a noção do particular em detrimento de vias que uniformizam o entendimento do diverso.
Apesar de mais comuns em espaços de língua portuguesa, os estudos afrodiaspóricos não se desenvolveram a contento no contexto hispânico no Brasil. Sim: existe uma literatura afro-hispano-zmericana. Sim: existe uma literatura hispano-africana e por razões semelhantes as que motivam a existência e valores de uma literatura afro-brasileira. É por estranhar o não investimento nas particularidades afrodescendentes no contexto de língua espanhola que se justifica essa discussão. É preciso reiterar a importância da África no processo civilizatório global como dado positivo; é igualmente importante observar que a noção de hispanismo não se restringe à bilateralidade América-Espanha; é relevante conhecer a existência de uma África de língua espanhola e os marcos que unem e nos separam como ferramenta de instrução e humanismo. Portanto, aprofundar as diretrizes de estudo sobre etnia e literatura, aqui, desse modo, ultrapassa o sentido reivindicatório sugerido pelos Estudos Culturais, quase sempre articulado a partir da perspectiva de subalternidade. A ideia aqui consiste em reabilitar, articular e incluir linguagens e representações como exercício democrático que, por meio de uma simetria dialógica, visa substituir a beligerância do descaso retórico ou mero isolamento ou, ainda, como prefere Enrique Dussel (1997), “práxis racional da violência”, por oportunidades e esclarecimentos interessados em arregimentar a ideia de civilização a partir da ampliação de redes que dão acesso ao (re)conhecimento das particularidades ignoradas do que se compreende como diverso.