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Fake News, Mídia e Democracia

Artigo

TEXTO Júlia Silveira

01 de Junho de 2017

"As recentes disputas eleitorais no mundo são provas das graves consequências das notícias falsas"

Foto Reprodução

[conteúdo vinculado à matéria da edição 198 | junho 2017]
Jornalismo
é disputa de narrativas e versões para se construir discursivamente uma verdade. Não existe relato imparcial e objetivo, mas recortes e enfoques intencionalmente elaborados a partir de escolhas editoriais e mercadológicas. No entanto, reconhecer o caráter subjetivo da mídia não significa, de forma alguma, abrir mão do rigor na apuração e divulgação do conteúdo noticioso. Declarações que nunca existiram, associações indevidas, calúnias e boatos são alguns dos recursos comuns das chamadas fake news (notícias falsas), que precisam ser denunciadas e combatidas.

A proliferação de notícias mentirosas não é um fenômeno recente. As primeiras gazetas e pasquins que surgiram no século XV já veiculavam histórias inverídicas, geralmente atreladas a interesses políticos ou econômicos. No entanto, o advento das novas tecnologias da informação e comunicação amplia a produção e o alcance dos conteúdos noticiosos e, portanto, também das fake news.

O ciberespaço modifica profundamente a experiência e o tempo do fazer jornalístico, permitindo que o público tenha acesso a um volume imenso de informações em tempo real. Sites de redes sociais, como o Facebook e o Twitter, e os serviços de messengers e chats, como o WhatsApp, tornam a produção e divulgação de conteúdo mais simples e descentralizada. Neste cenário de fugacidade e maior horizontalidade dos processos comunicativos, o compartilhamento de boatos se prolifera com rapidez. E, como grande parte desses conteúdos chega até nós através de conhecidos, amigos e familiares com os quais temos uma relação de confiança, muitas vezes não checamos a veracidade dos mesmos.

Quando reverberadas, as fake news podem ter grande impacto social, cultural e até mesmo político. As recentes disputas eleitorais no Brasil e no mundo são provas da influência que as narrativas tendenciosas ou falsas podem ter sobre a opinião pública e das graves consequências desse fenômeno. O efeito mais devastador, no entanto, é quando esses conteúdos afloram discursos de ódio, discriminação e intolerância. Muitas vezes servem de ilustração e justificativa para posicionamentos racistas, machistas, LGBTfóbicos ou religiosamente intolerantes.

Além disso, muitas vezes as fake news desencadeiam linchamentos virtuais – e até mesmo físicos – e deterioram a imagem de pessoas, públicas ou não, de forma significativa e até mesmo irreversível. Um dos casos mais emblemáticos nesse sentido ocorreu no Brasil, em 2014, quando uma mulher foi espancada até a morte em Guarulhos (SP) após boatos circularem no Facebook. Ela foi injustamente acusada de sequestrar e praticar rituais violentos com crianças.

Uma pesquisa recente, encomendada pela Universidade de Oxford, entrevistou profissionais da comunicação de 24 países, inclusive do Brasil, e 70% afirmaram que a crescente preocupação com as notícias falsas tende a fortalecer o jornalismo. Lançar luz sobre os focos dessas inverdades poderia, segundo alguns analistas, fortalecer o papel da imprensa tradicional como fonte de informação mais confiável e legítima. Mas essa avaliação é uma previsão arriscada. A proliferação e descentralização dos veículos midiáticos é um processo irreversível e já sabemos que as fake news estão presentes também nas grandes corporações e nos governos e suas diversas instâncias.

Nesse sentido, mais interessante do que a perspectiva que legitima as grandes empresas midiáticas em detrimento dos conteúdos que circulam na internet é o debate sobre a democratização da comunicação. Descentralizar os meios de produção midiática, combater os oligopólios e regulamentar as concessões públicas é fundamental para ampliar os olhares e a agenda da imprensa. Também é urgente garantir efetiva representatividade dos diversos segmentos sociais na mídia e construir pedagogicamente uma visão crítica do que produzimos e consumimos nos diversos meios de comunicação. Essas medidas podem apontar um caminho para (re)pensarmos o jornalismo, resgatando suas vocações de serviço público e promoção do bem comum. 

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