Como aponta Bowlt, as vanguardas russas iam desde o nadismo ou niilismo até o raionismo, o Futurismo e o Expressionismo. O Construtivismo e o Suprematismo também eram correntes de vanguarda, que ficaram mais conhecidas por terem se desenvolvido na Rússia de forma pioneira. O Suprematismo, representado por Malevich, por exemplo, não só tinha como prioridade a forma geométrica pura como também tinha especificamente o quadrado como base de seu pensamento formal, em uma oposição aberta à arte figurativa. O quadrado seria a semente de todas as possibilidades, a forma básica do suprematismo.
Como escreveu Malevich, no manifesto Do Cubismo e do Futurismo ao suprematismo: o novo realismo na pintura, de 1915: “Mas eu me transformei no zero da forma e a partir do zero eu atingi a criação, ou seja, o suprematismo, o novo realismo pintado – criação não objetiva. (…) Na arte do suprematismo, formas irão viver, como todas as formas vivas da natureza. Estas formas anunciam que o homem atingiu o seu equilíbrio”. No entanto, é preciso ressaltar que, provavelmente ao contrário do que desejava Malevich, não havia tantos artistas engajados com o suprematismo, bastante rigoroso nas suas premissas.
“Embora Malevich tivesse seus seguidores e ainda que em 1916 tenha se organizado o grupo Supremus (do qual fazia parte Popova, Rozanova, Kliun, Udaltsova, Menkov, Pestel, Davydova, Puni), entre seus integrantes praticamente não havia autênticos suprematistas”, escreve a pesquisadora Tatiana Goriacheva, do Departamento de Artes Gráficas do Século XX da Galeria State Tretyakov, no ensaio Suprematismo y constructivismo: paralelismos y entrecruzamientos (em português, Suprematismo e construtivismo: paralelismos e entrecruzamentos). Goriacheva também aponta que, para alguns artistas, o suprematismo foi mais uma espécie de inspiração para a própria formação do que propriamente um manual para a ação.
Dessa maneira, muitos artistas acabavam adotando escolhas estéticas mais livres, não tão presas ao rigor do suprematismo de Malevich. O construcionismo de Vladimir Tatlin, que se desenvolveu simultaneamente ao suprematismo, acabou recebendo aqueles artistas que queriam converter os planos de cor suprematista em construções geométricas, em monólitos ou em formas que tendiam à tridimensionalidade, como concebia Tatlin. Mas, como mostra Goriacheva, o grupo de seguidores de Tatlin era tão instável como o de Malevich.
As diferenças entre Malevich e Tatlin e Rodchenko, estes dois últimos do Construtivismo, se traduziam em conflitos que iam mais além do terreno profissional. Não só Malevich não hesitava em criticar fortemente a racionalidade e o espírito utilitário do construtivismo como, depois da Revolução de 1917, houve um choque na vida cotidiana entre Malevich e Rodchenko, de modo que a aquisição de obras, a influência da imprensa e a concessão de tarefas para ambos se viram afetadas diante da rivalidade entre eles. No entanto, como enfatiza a pesquisadora Erika Zerwes, “apesar dos conflitos, todos eles conviviam e eram, de um modo geral, a favor da revolução”.
O AUGE
Assim, apesar dos conflitos entre alguns suprematistas e construtivistas, é importante ressaltar que foi logo após a Revolução Russa que a arte de vanguarda mais se desenvolveu. “Desde o primeiro momento depois da revolução, deu-se muita atenção às artes. Nos primeiros 12 meses, Lênin promulgou mais de 200 decretos em relação à arte e escolheu uma pessoa fundamental para ser comissário de arte, o Anatóli Lunatchárski”, explica Erika Zerwes.
Lunatchárski, que tinha um conhecimento muito amplo sobre arte, transitava pelos artistas e estimulava, através de políticas públicas articuladas, o florescimento da arte moderna na União Soviética. Incentivou a formação de grupos de artistas semi-independentes, como o Proletkult (em português, “cultura proletária”), que incentivava a produção de uma literatura de cunho social e político acessível ao povo, projetando artistas como Mikhail Gerasimov e Vladimir Maiakóvski. A política do Comissariado Popular de Instrução, gerenciado por Lunachárski, era que a arte deveria se basear nos valores do povo e servir ao crescimento espiritual deste.
É assim que surge, então, um poderoso complexo de propagandas. As artes gráficas assumem a nova linguagem política e começam a construir a ideia de um “Novo Homem Soviético”: sendo operário ou campesino, teria uma família feliz, as necessidades básicas atendidas e uma confiança irreparável no destino trazido pela revolução. Um complexo de propaganda lançado pelo Comissariado Popular de Instrução buscava – através da escultura, arquitetura, pintura, artes gráficas, porcelana, móveis, entre outras linguagens – realizar uma extensa propaganda artístico-comunista, recorrendo a temas como símbolos do comunismo, desfiles, fábricas, campesinos trabalhando na lavoura, carroças e danças.
Os cartazes ornavam a cidade, quando havia festividades políticas, como o aniversário de Revolução de Outubro. Certamente, se a União Soviética ainda existisse como nos seus primeiros anos, o cartaz de 2017 seria cuidadosamente preparado por algum dos artistas mais brilhantes de lá. Quem sabe, um seguidor de Rodchenko. Foi este, aliás, quem criou os cartazes mais impactantes dos primeiros anos da revolução, como o anúncio publicitário para a seção da imprensa estatal de Leningrado, intitulado Livros, ou os cartazes de propaganda sobre a aviação russa.
O juramento de Rudolf Frents, Levanta a produção! e Aliança entre o campo e a cidade, de Artur Kletenberg, todos de 1924, são cartazes políticos que se destacaram nas produções gráficas da época, pela inventividade estética no uso de cores e formas geométricas e, de alguma maneira, por serem cartazes políticos que, embora defendam uma determinada ideologia, não recaem em um mero panfleto.
DECADÊNCIA
As artes visuais e decorativas das primeiras décadas da União Soviética entram em crepúsculo quando Josef Stálin assume o poder em 1922, após seu afastamento por um problema de saúde. “Em 1930, Stálin fez um decreto proibindo os diferentes grupos de arte, juntando todos em um único movimento, chamado Realismo Socialista”, detalha a pesquisadora Erika Zerwes. Ela também conta que Rodchenko, por exemplo, conhecido por suas fotografias e cartazes vanguardistas, passa a fazer fotojornalismo durante o stalinismo, registrando os grandes empreendimentos lançados pelo então ditador soviético.
As vanguardas artísticas passaram a ser criticadas, então, como correntes de orientação estética burguesa. O Realismo Socialista, representado de maneira emblemática nas pinturas de Alexander Gerasimov e Isaak Brodski, nas quais Stálin se torna o centro ao redor do qual gira a vida política na União Soviética, encerra a produtividade inventiva das duas primeiras décadas do século passado naquele país.
Não é impróprio afirmar que a experimentação estética perde importância, então, quando o que interessa é ser evidente e óbvio na abordagem temática – em uma subestimação intelectual e artística de um povo já habituado com as subversões de um Malevich, Tatlin ou Rodchenko. É com Stálin, então, que o declínio político e estético da União Soviética se realiza.