Sapatos, lâmpadas, chapéus, guarda-chuvas, facas, pistolas, malas, carros e aviões. Esses são alguns dos objetos aos quais Rodolfo dedicou especial atenção em seus desenhos. Suspensos na folha do papel, os objetos frequentemente surgem desprendidos das suas funções instrumentais, retirados dos seus usos e necessidades. Inutilizados pelo artista, aparecem antes como natureza-morta do que como mercancias, manifestando-se como vestígios de outras épocas. Assim, Rodolfo parece extrair capacidades intempestivas dos seus objetos e daí surge uma certa melancolia, sentimento característico da modernidade. A partir disso, as coisas falam, deixando entrever uma dimensão fetichista da nossa sociedade. Através dessa poética, Rodolfo elabora uma crítica, muitas vezes bem-humorada, ao progresso capitalista e dá vazão a formas improváveis.
Além dos objetos reconhecíveis, Rodolfo também foi um inventor de máquinas, engrenagens e dispositivos diabólicos. Por meio dos seus instrumentos fictícios, surgem diagramas, estruturas entrecruzadas, sempre com perspectivas inusitadas. São as suas abstrações, que nunca abandonam a dimensão material e acabam se convertendo em uma grande máquina de “moer” figurações.
Atento ao poder da imagem e à sua estreita relação com a memória, Rodolfo era consciente da dimensão política da sua obra e, sendo assim, os seus trabalhos também podem ser vistos como relatos de uma época. Desse modo, em suas composições, o artista também assume o papel de narrador, contando, através da caricatura, certos costumes absurdos da burguesia, assim como aspectos sombrios da história dos perdedores. Incapaz de ignorar o sofrimento humano, Rodolfo se dedicou a desenhar cenas de opressão e violência, apresentando corpos fracos, esquecidos pela história oficial e retirados do nosso campo de representação. Através de uma linguagem fragmentada, surgem antinarrativas e, com frequência, a superfície do papel se apresenta como o campo de batalha de uma sangrenta luta de classes, na qual uma estranha memória parece vir à tona. Aqui estão implícitas algumas ruínas, catástrofes morais que evidenciam uma decadência civilizacional.
Apesar de desenvolver composições com fortes componentes contestadores, Rodolfo não estava interessado em lançar mensagens. Mesmo com a presença de textos (que mais tarde seriam abandonados), suas obras são, na maioria, amorais, sem pretensão de exemplaridade e, com frequência, recusam a adesão fácil dos seus espectadores. Ele costumava dizer que seus trabalhos não eram políticos, apenas falavam de política. Talvez essa fosse uma forma comedida de se referir à dimensão política dos seus desenhos. O certo é que, em constante desconfiança com regimes de poder, Rodolfo se recusou a servir como propaganda, renunciando a criar agitprops, seja para qual fosse a ideologia, preferindo manter o seu olhar e a sua arte livres de qualquer etiqueta política.
Ainda que no fundo fosse uma pessoa solitária, Rodolfo não era antissocial como alguns poderiam pensar. Sua introspecção não tinha nada de alienação; pelo contrário, era um espaço vital cheio de movimento e compromisso com o seu tempo. Tenho a impressão de que ele entendia a solidão como algo necessário e intrínseco à sua forma de viver. Uma forma de vida que prezava pelo tempo para si, para a reflexão e para o silêncio. Mesmo recluso, poucas coisas lhe davam tanta alegria como um bom diálogo. E admiro a capacidade que ele tinha de conversar com todo tipo de gente, sempre com a fala sincera e uma sonora gargalhada.
Nas últimas décadas, Rodolfo atravessou algumas transformações. Voltou a expor com um pouco mais de regularidade, chegando a receber um reconhecimento mais declarado tanto da mídia local quanto das gerações mais novas. Suas obras dessa etapa refletem um artista maduro, ainda mais econômico em seus meios, mas sem abandonar as características que o marcaram: a verve inquieta e o traço singular.
Entre os temas recorrentes no trabalho de Rodolfo, a morte foi um deles. Abordar essa questão talvez tenha sido a forma que encontrou para compreender a sua própria finitude. Mesmo assim, o fenômeno do desaparecimento permanece indecifrável. Ao revisitar as páginas do volume de Viagem ao fim da noite, de Louis-Ferdinand Céline, livro que Rodolfo leu e releu, encontramos o seguinte parágrafo sublinhado pelo artista:
A grande derrota, no fundo, é esquecer, e sobretudo aquilo que fez você morrer, e morrer sem nunca compreender até que ponto os homens são cruéis. Quando estivermos com o pé na cova, nada de bancarmos os espertinhos, nós aqui, mas também nada de esquecer, vamos ter de contar tudo sem mudar uma palavra do que vimos de mais celerado entre os homens e depois calar o bico e depois descer. Isso aí é trabalho suficiente para uma vida inteira. (p. 35)
Rodolfo faleceu de forma abrupta no dia 24 de fevereiro de 2016, aos 64 anos de idade, deixando um imenso legadoartístico.