É justamente no encurtamento dessas relações que o chef Julio Prouvot enxerga mais um ganho advindo desse movimento. Sempre que termina o expediente no Prouvot Bistrô, no Parnamirim, na madrugada da sexta para o sábado, o jovem cozinheiro segue para a feira de orgânicos do Bairro das Graças, também na Zona Norte da cidade, para fazer as compras semanais de alguns insumos. “É uma outra relação. Antes, fazíamos o pedido por e-mail ou telefone, chegava um carro ao restaurante e alguém deixava o pedido com a nota fiscal. Conhecer quem planta, onde planta, e como planta, conversar com o produtor, amplia nossa visão sobre o sistema gastronômico. Pode até dar mais trabalho, claro, mas é muito mais prazeroso e enriquecedor”, conta Julio.
Em João Pessoa, Onildo Rocha reitera o discurso na prática no seu Roccia Bar, em Tambaú. Há cerca de três anos, deu início a um trabalho com Seu Dedé, agricultor que, impulsionado pelo cozinheiro, participou de um curso do Sebrae para aperfeiçoar sua técnica e fornecer as folhagens e os tubérculos para a cozinha que Rocha comanda. “Em um primeiro momento, passei tudo o que precisava e foi preparado um escalonamento de produção. A ideia é de que o produtor saiba a data em que vai colher, de forma que não falte nenhum insumo na cozinha”, explica. Para quem acha que se trata de um nível de envolvimento muito avançado, aparentemente está enganado. “Encontrando o produtor certo, que assuma o compromisso de entregar o produto, fica fácil”, desmistifica.
Pelas mãos do cozinheiro, o arroz vermelho de seu Dedé se tornou um marco de sucesso dessa parceria. Nacionalmente, o grão é conhecido como “arroz da Paraíba” ou simplesmente “arroz de Onildo”. Mais recentemente, lambretas de tamanho incomum, produzidas em pequenas fazendas paraibanas, são as novas vedetes do cardápio do bar. “A ideia é que produtores e atores da cadeia do alimento possam sobreviver do que produzem. Os ingredientes regionais, brasileiros, precisam estar acessíveis. Assim, tanto os produtos quanto o nosso saber culinário serão reconhecidos como parte de nossa cultura”, destaca Rocha.
Atento a esse movimento, o Sebrae–PE desenvolveu o projeto Alimentos e Bebidas – Do Campo à Mesa, trabalhando os elos da cadeia produtiva, visando aproximar o produtor dos restaurantes, encurtando distâncias e otimizando preços com uma dinâmica de venda direta e criteriosa, na qual os chefes podem escolher os produtos diretamente com o produtor. “Em Pernambuco, já temos um mercado consolidado para vinhos, frutas, doces, tubérculos, cachaças e uma infinidade de outros itens. Desde o ano passado, estamos trabalhando fortemente na agricultura orgânica e na produção de sorvetes e também das cervejas artesanais”, lista Valéria Rocha, gestora do projeto. Para o Sebrae, no segmento gastronômico, essa é mesmo a bola da vez. No Brasil, das 15 mil propriedades certificadas para produção de orgânicos, 75% pertencem a agricultores familiares, consolidando o país não só como um grande produtor, mas também exportador.
ALAVANCA ECONÔMICA
Em crescimento, o ofício de produtor foi apontado como uma das profissões de um futuro próximo, segundo estudo recente da consultoria Ernst & Young. Para a entidade, essa profissão se chamará “fazendeiro urbano” e, até 2025, embalada pelo aumento da produção autônoma de alimentos orgânicos, deve se multiplicar em alta escala no Brasil. O país, a propósito, movimentou, em 2016, mais de US$ 30 bilhões em alimentos orgânicos, fazendo-se o 5º maior mercado de alimentos e bebidas saudáveis do mundo. Enquanto, por aqui, esse mercado cresce 20% ao ano, no mundo, o índice é de 8%.
Em entrevista à Continente, ainda em 2015, a apresentadora e chef de cozinha Bela Gil “cantou a bola”. Na oportunidade, reiterou que comer comida com procedência, menos processada e industrializada possível, valorizando os produtos locais e da estação, é o caminho natural da alimentação no mundo. “Quando a sociedade enxergar a alimentação saudável como um investimento e garantia de qualidade de vida, quando cozinharmos pensando e respeitando a saúde do corpo, da terra e dos produtores, aí, sim, conseguiremos construir um futuro melhor”, defendeu.
“O que vejo de mudança no cenário é que, antes, a cozinha mais sustentável era tratada como se não fosse integrante da gastronomia, e, sim, algo à parte. Agora, podemos ver gente voltada para os legumes sem aquele perfil natureba, mas com um comprometimento com a cozinha”, pontua a chef carioca Nathalie Passos, nome dos mais festejados da nova safra dos cozinheiros brasileiros, cuja escola é a cozinha sustentável.
Nathalie oferece um contorno crítico a esse movimento, preferindo tratar a sustentabilidade da gastronomia de forma holística. A cozinheira do Naturalie Bistrô, em Botafogo, acredita que seja um gesto importante valorizar a origem do produto, a relação com o pequeno produtor, mas provoca: “Do que adianta, se não nos importamos com o que fazemos com o lixo e a água depois?”.