Ele recordou as condições em que foram recebidos, “com uma certa hostilidade”, quando iniciaram as visitas ao campo: “Era bem complicado. Por um lado, eles odiavam jornalistas. Por outro, durante o inverno, quando torciam que o acampamento não fosse destruído, estavam contando, de uma certa forma, com a ajuda das pessoas que se dispunham a filmá-los. Tinha gente lá que não queria ser vista pela família na internet, pois diziam que estavam na Inglaterra e, na verdade, estavam em Calais. Outros chegavam e pediam para ser filmados, então nós trazíamos os equipamentos e passávamos um bom tempo com eles. Quando a parte sul foi destruída, eles ficaram muito hostis com qualquer um que parecesse um jornalista. Se vissem a câmera, gritavam ‘fodam-se’ e ‘parem de filmar’ . Foi bem tenso e tínhamos que filmar só as pessoas que já conhecíamos. Mas nunca escondemos a câmera. Gosto de estar com ela à mostra, para que sempre saibam que estamos filmando. De uma certa maneira, eles não nos colocavam no time dos jornalistas, mas não sabiam por que estávamos lá filmando todos os dias”.
As horas de depoimentos e imagens coletadas servirão de mapa para a montagem, “mas sem pressa”. “Fomos ao Calais Jungle porque queríamos documentar aquilo. Buscar os caminhos entre as pessoas que conhecemos lá era, também, a tentativa de achar o nosso caminho dentro do filme que estávamos fazendo. Qual vai ser esse caminho? Vamos descobrir”, pontuou Klotz, para quem o cinema não pode mais ser visto como uma arma revolucionária. “Isso pertence aos anos 1960 e 1970, quando a música, a poesia, a literatura e o teatro convergiam para a mesma direção do cinema – de que seria possível mudar o mundo. Mas nós vimos que o mundo mudou em uma direção completamente oposta”, observou.
O diretor, porém, não se exime da responsabilidade de pensar o cinema à luz dos acontecimentos da contemporaneidade: “É importante nos concentrarmos em que tipo de filme queremos fazer, para que o cinema não desapareça. Onde está escrito, afinal, que o cinema tem que continuar? Você pergunta se o cinema pode ser usado, pelos diretores, como uma arma, mas eu pergunto: o que é uma plateia? Qual a responsabilidade do público diante dos filmes? O cinema pode ser uma arma para os espectadores? Eles vão usar o cinema nas suas vidas, vão refletir, por exemplo, sobre os imigrantes e o tratamento dado a eles pelos países europeus, ou apenas vão para comer pipoca, ver filmes estúpidos e tentar se vestir como os personagens?”.
O documentário de Nicolas Klotz e Elisabeth Perceval sobre a selva de Calais ainda não tem título, mas tem um norte: discutir a própria noção de Europa na era em que o Velho Mundo se mostra incapaz de lidar com a massa que lhe pede refúgio, boa parte fugindo das ex-colônias de seus países. “A Europa está morta. Mesmo com a Grã-Bretanha, já estava morta. Aliás, os ingleses nunca estiveram de fato e sempre causaram problemas. O continente, como se pensa e se vive hoje, é uma ideia morta. Quanto mais rápido os políticos profissionais e corruptos da França, que há 30, 40 anos se revezam no governo, saírem do poder, mais rápido algo de novo e esperançoso pode acontecer. Até lá, temos que tentar colocar as pessoas em contato com outras ideias de formação do mundo e lutar contra os algoritmos para achar outras possibilidades de viver”, arrematou o cineasta.